Este senhor à esquerda, de cabelos grisalhos e sorriso meio tímido é o Pedro.
Bom… o Pedro é meu pai biológico, e essa foto foi feita no último dia 19.11.2017 num encontro em que eu já estava convencido de que jamais viria a acontecer, mas que a vida nos reservou após nada menos do que 21 anos sem termos qualquer notícia um do outro.
Isso mesmo: 21 anos.
E 21 anos não são 21 horas, meu amigo.
Não é que meu pai viajou a trabalho e voltou uma semana depois, entendeu?
Fiquei sem uma das presenças mais importantes para minha formação enquanto ser humano quase 8 mil dias, 2 mil semanas, 250 meses, 662 milhões de segundos, 11 milhões de minutos e 184 mil horas.
E depois de alimentar muito ódio e revolta com relação a esse assunto mal resolvido em minha vida, hoje queria compartilhar com vocês toda felicidade em estar livre de qualquer sentimento ruim que isso possa ter me trazido ao longo de todo esse tempo, e dizer que o perdoei do fundo da minha alma, não deixando dúvidas de que essa atitude tenha sido uma das mais grandiosas e enriquecedoras da minha vida.
E pq eu queria compartilhar isso aqui na página?
Pq imagino que muitos de vocês também possam carregar uma mágoa que tenha lhes trazido consequências maléficas sobre a própria vida e a desse alvo em particular, e que, talvez, até de forma inconsciente, venha atrasando a caminhada e o sucesso de ambos nos mais diversos aspectos, pq a ausência do perdão é, indiscutivelmente, um verdadeiro cadeado para nossa felicidade.
Minha intenção em expor um problema particular, é para inspirar e tocar o coração de quem precisa se libertar do ódio e desfrutar o perdão em sua plenitude, independente do que tenha acontecido para que essa semente ruim tenha se germinado aí no poço do coração.
Mesmo que seja algo que aparentemente não atrapalhe mais seu dia a dia e que dê até a impressão de já estar esquecido e superado dentro de ti, precisa sim ser consolidado e chancelado como perdão e não desculpa, já que praticar o perdão é como soltar o freio de mão para voltar a dormir e acordar sem qualquer peso – e com isso enxergar novamente valor nas coisas mais simples, como um cantar de pássaros no telhado de casa às 06H da manhã.
É claro que, mesmo com o reencontro e o perdão, sabemos que os dias perdidos ficaram pelo caminho sem qualquer possibilidade em serem recuperados.
Neste meu caso… aliás, neste livro da minha vida, é como se fosse uma página virada, porém, não rasgada.
E assim como uma cicatriz, é importante virar e não destruir a página mesmo que suas recordações não sejam as melhores, afinal, trata-se de um capítulo importante (talvez até indispensável) e que serviu de extremo aprendizado para se valorizar ainda mais a própria biografia de lutas e, principalmente, conquistas.
Nunca podemos esquecer de que as cicatrizes são responsáveis por nos atestar como grandes vencedores de alguma batalha que vencemos no passado.
– Olha, Guifer, eu adoraria perdoar, mas meu caso foi bem mais grave e não consigo – alguns podem balbuciar com o pensamento.
Compreendo e respeito, até pq cada dor é uma dor, e a nossa será sempre maior que a do vizinho.
Mas, não pense que passar 21 anos sem a figura do meu pai foi algo que me fez passar ileso às complexidades do tal encostar a cabeça no travesseiro.
Lembro-me que, durante este período, foram muitos Aniversários sem um abraço, diversos Natais sem um Papai Noel particular, incontáveis Dia dos Pais olhando meus amigos brincando de bola com os seus, Páscoas sem meu chocolate favorito, e inúmeros revéillons olhando para os fogos no céu e perguntando para Deus o que eu tinha feito de tão grave para ser abandonado ainda criança por um homem que deveria me amar incondicionalmente enquanto eu vivesse.
Como assim a pessoa saber que tem um filho ainda criança se desenvolvendo nos perigos da periferia, com uma mãe pobre e condições básicas de sobrevivência, simplesmente desaparecer, nunca ligar, enviar carta ou sinal de fumaça, e não fazer a menor questão em saber se aquele pequeno ser está com fome, sede, frio, se sofre bulliyng, se está emocionalmente bem, se apanhou na rua, se está em situação de rua, se morreu, se está internado, se tem o que vestir, se virou bandido e está preso, se foi bem na aula, se conseguiu comprar o material escolar, se teve algum representante em sua reunião de pais, ou se recebeu alguma orientação adequada sobre sexo seguro e/ou uso de drogas? enfim…
MAS… TODOS ERRAMOS!
E, mais do que isso, todos já fomos (em algum momento da vida) perdoados por alguém que machucamos – mesmo que isso tenha acontecido de forma inconsciente.
O próprio Jesus Cristo, que a história aponta ter sido uma pessoa boa para o próximo, perdoou os que lhe humilharam e o crucificaram por mera inveja e sem motivo para tal.
E se Jesus perdoou, quem sou eu para não perdoar?
Contudo, perdoar não é tarefa das mais fáceis, pelo contrário. Eu mesmo experimentei por muitos anos o tamanho dessa dificuldade e hoje falo sem qualquer sombra dúvida que o perdão verdadeiro tem sim ingredientes, e, pasmem, eles são apenas dois: O TEMPO E O QUERER.
Muitas vezes queremos, mas não conseguimos. Precisamos dar tempo ao tempo; muitas vezes o tempo já foi suficiente para cessar a dor e o ódio, mas nosso instinto turrão não nos permite querer perdoar por desaforo.
É o ser humano e o universo em um intenso e arcaico conflito sem vencedores.
Algumas pessoas dizem: “eu até desculpo, mas só quem perdoa é Deus.”
Tempos atrás eu até corroborava com essa ideologia, mas agora discordo, pq descobri que o perdão e a desculpa dispõe características totalmente distintas:
Um é profundo e o outro é superficial; um é capaz de limpar a alma e mudar para melhor a vida nos mais diversos âmbitos, e o outro alimenta a hipocrisia e o rancor implícito; um favorece e fortifica a vida espiritual e o outro faz um mentiroso afago na externa carne.
Portanto, temos sim o aval do Senhor dos Exércitos para perdoar e não apenas desculpar, e vejo que isso acaba sendo uma espécie de avaliação Dele para conosco na busca pela vida eterna.
Seria muito fácil apenas desculpar, já que isso pode ser dito a qualquer momento da boca para fora. O perdão sim é uma prova de fogo e sem qualquer possibilidade de enganar a si mesmo ou muito menos a Deus.
Quem me conhece pessoalmente dificilmente percebe que a falta do meu pai tenha deixado marcas violentas em minha trajetória, pq o passar dos anos não me permitiu chorar ou me vitimizar sobre o leite derramado, e sim, ser forte e engolir qualquer suspiro mais profundo que seria natural a uma criança abandonada.
Nunca fiz questão de colocar esse fato como desculpa para minhas derrotas e fracassos pq, apesar de tudo, Deus me recompensou dando saúde e forças para correr atrás do que eu queria e acreditava.
Além disso, o desamparo jamais foi sentido de forma integral como uma faca que tinha tudo para rasgar meu peito, vendo que pessoas especiais me cercaram durante todos esses anos para orientar e fazer as vezes de um pai que nunca tive, compartilhando amor, dedicação e cuidados, e o principal: sem ter a menor obrigação para tal.
Quando somos pequenos não entendemos a frieza dos grandes, pois não faz sentido para nós olhar para os coleguinhas da escola e todos terem algo que você também tem, mas que a vida lhe roubou sem qualquer explicação plausível.
Criança não quer dinheiro, ela quer apenas amor.
E tudo o que eu precisava era de um homem para chamar de “meu pai”, andando de bike na praça, jogando bolinhas de gude no chão batido ou gritando gol no estádio quando meu time jogasse. Não era muita coisa de valor ($), mas eram as coisas mais valiosas ( <3 ).
Assim que meu irmão e minha cunhada, que intermediaram este reencontro, me procuraram para dizer que meu pai estava vivo e tinha muita vontade de me ver, algumas coisas me fizeram repensar uma possibilidade (até então impensável):
– O ‘também sou errante’, e quem sou eu para julgar?;
– A ‘empatia’: tentando me colocar no lugar e nos motivos dele;
– O ‘tempo e o querer’: por muitos anos eu não queria pq não era o tempo certo. Mas agora eu quis e creio ser a melhor época para isso, pois me sinto preparado;
– O ‘nada acontece por acaso’, que discorro a respeito logo abaixo:
A filosofia do ‘nada acontece por acaso,’ que carrego e sempre despejo em meus textos, também foi crucial para que eu pudesse analisar toda essa história com a frieza e a razão necessários, e então me permitir dar a oportunidade em, quem sabe, traçar um final diferente para essa ferida da minha vida.
Qual a relação disso?
Olha, quem acompanha minhas redes já percebeu que sou um grande defensor da paternidade e o quão ‘pistola’ eu fico com “homens” que largam seus filhos para seguir a vida sem nem sequer olhar para trás.
Isso tudo pq o abandono que sofri atrelado ao nascimento da minha filha Laís me fizeram pegar essa causa, colocá-la debaixo dos braços, e então gritar ao mundo inteiro que ser pai é a coisa mais encantadora do mundo tanto para o filho quanto para quem o fez.
Em suma, certamente se eu não tivesse passado por tudo o que passei jamais seria o pai atencioso, protetor, amável e presente que sou hoje para a Laís, e muito menos me tornaria um militante desses princípios.
Sendo assim, de certa forma sou grato ao meu pai por isso. Hoje minha maior missão de vida é ser para a Laís o pai que eu nunca tive.
UFA! Acho que é isso, pessoal…
Que todos vocês consigam superar seus fantasmas do ódio que se fortalecem enquanto as coisas com o próximo não se resolvem.
Todos conseguimos perdoar e sou prova viva de que isso é um fato, então, não se desespere em conseguir tirar logo esse aperto de seu peito pq quando acontecer será de verdade.
Lute para que o ‘querer’ perdoar se desenvolva dentro de ti, pois isso talvez seja o mais difícil. E, no tempo certo, sem pressa, as coisas vão naturalmente se encaixar.
Chega um momento que o universo desiste de jogar contra e aí passa a conspirar ao seu favor.
Vida nova. Coração limpo. Deus orgulhoso.
Um amigo a mais, uma saudade a menos.
E que o perdão nos torne pessoas melhores para nós e para o nosso semelhante dia após dia!