Istoé: “Ludmilla diz que perdeu contratos após assumir namoro com bailarina”
Aí vocês me perguntam:
– Guifer, e desde quando tu ouves funk?
Não, fiote. Não ouço.
Embora o gênero tenha lá seu valor cultural ao país – você querendo ou não -, confesso que esse não é um ritmo que me cativa nem de longe enquanto ouvinte musical, pelo contrário.
No entanto, é libertador ver uma negra, funkeira, periférica, mulher e lésbica fazendo sucesso e desfilando sua arte nos principais veículos de entretenimento de um país, que é assumidamente racista, machista, homofóbico e sofre com a síndrome do emergente (aquele em que o pseudo-classe média atrasa o aluguel e deixa de pagar a pensão só para ter um iPhone sem créditos).
Transcende gosto musical, saca?
Existem algumas lutas pesadas por detrás de uma Ludmilla e essa parada do ‘nascer perdendo de 3 a 0’ e não aceitar ser menos do que merece ser, simplesmente me encanta desde moleque.
Tu tens noção de quantas Ludmillas existem e estão sendo massacradas por aí neste exato momento apenas por serem mulheres, negras, gays, funkeiras e faveladas?
Ou seja, massacradas apenas por existirem?
Tu tens noção do quão incansavelmente o Brasil trabalha para calar nossas Ludmillas ao invés de incentivá-las e lhes oferecer oportunidades igualitárias?
Tu tens noção de que, guardada suas devidas proporções e lutas, você talvez seja uma Ludmilla em sua realidade particular?
Desculpe, sociedade. Mas é lindo ver os fodões “machos”, heterossexuais, branquelos, de classe média e que acreditam em seu gênero musical favorito como sendo o único audível e inteligentão do universo, baixando a cabeça e dando espaço para uma negra, funkeira, periférica e lésbica.
É o tal “sambando na cara da sociedade” ali, nú e crú, ao vivo e em cores, traduzindo ao pé da letra o significado desse sábio e clássico clichê de boteco.
Daí vemos essa notícia de que a cantora perdeu contratos por se assumir homossexual.
Sim.
Em 2019.
Perdeu.
Contratos.
Pq… é gay.
Bora rir para não chorar? Kkkkkkkkk….
Sabe de uma coisa?
Você compreende que a luta vingou quando lhe surgem sinais claros de que incomodou de alguma forma.
Como assim esperar que um país como o Brasil, povoado por 90% de seres cujo cérebro está em 1.500/A.C, aplauda o fato de uma pessoa amar outra do mesmo sexo?
Que absurdo. Seria muito fácil e muito humano, não é mesmo?
Digo e reafirmo: todos os contratos perdidos pela Ludmilla me fazem tirar o chapéu para ela.
Conforme mencionei nas primeiras linhas: não sou consumidor de sua música – e não há indícios de que venha ser um dia.
Mas não há como esconder meu máximo respeito por quem incomoda e causa comichões nos reaças preconceituosos.
Em 2070, olharemos essa notícia da ‘Istoé’ e pensaremos:
“Meu Deus, como éramos imbecís em 2019”.
E tudo isso pq, nesse passado (hoje presente), algumas pessoas levantaram bandeiras e deram a cara para bater, arriscaram contratos, dinheiro, fama, poder e, como bem sabemos, colocaram até a vida na berlinda.
Mas foram elas que conquistaram essa frase acima, de 2070.
Transformar mentes e reconstruir valores é o maior legado possível. Dinheiro é papel.
Portanto: Voe, Ludmila.
E te digo:
Embora a idiotização humana tenha se propagado na velocidade de um trem bala, a desidiotização agora acontece em super câmera lenta e, talvez por isso, não estejamos mais aqui para desfrutar uma transformação positiva que virá disso tudo.
E virá, acredite.
Hoje você perdeu um contrato para que, em 2050, outra Ludmilla (que talvez nem tenha chegado ao mundo ainda) possa desfrutar dele e continuar lutando – ao infinito e além.
Plantaremos amor, respeito, empatia, altruísmo e cidadania hoje, para os que estão nascendo agora façam a luta ter valido a pena lá na frente.