(escrita pelo pequeno – aos 8 anos de idade)
“Oi papai (posso lhe chamar assim?), como o senhor está?
Espero de coração que esteja bem, pq eu…
…bom, eu confesso não estar muito legal
Poxa, faz tanto tempo que estou esperando por você, sabia? São tantos anos longe
de alguém que pouco vi, mas que acabei amando sem nem saber o real motivo. Pq
será que a gente ama quem não ama a gente, né papai? Eu amo tanto o senhor, mas
tenho tanto medo de que o senhor não me ame ou nem saiba quem eu sou…
Tenho medo demais de que essa distância possa acabar com este sentimento
maravilhoso que tenho por ti, pq vejo ele como algo tão puro e verdadeiro dentro
de mim. É um tipo de sentimento criado por Deus, por isso ele impregna na alma e,
por mais que tentemos nos desvincular, ele está sempre aqui ardendo em nosso
peito. E até por ser algo provindo da divindade não consigo imaginar que exista
alguém capaz de desprezá-lo ou simplesmente fingir que ele não existe, não é
mesmo?
Sonho com o dia em que vou sair da escolinha e o senhor estará lá na porta com um
algodão doce e um sorriso largo para me buscar. Às vezes, vejo meus amiguinhos
reclamando da reunião de pais e aí eu também reclamo para não ficar excluído no
grupo. Mas, no fundo no fundo, o que eu queria mesmo era ter um papai presente na
minha reunião. Sou um bom aluno e pretendo ser uma criança que sempre dará
orgulho a você e a mamãe. Eu me empenho demais na escola, papai. Porém, não me
sinto motivado em tirar ’10’ nas matérias se as pessoas que mais amo não
enxergarem meu esforço em levar um pouco de alegria lá para casa. A mamãe
trabalha e também não pode ir às reuniões, então, ela passa na escolinha depois e
conversa de forma particular com a professora. Mas nunca é a mesma coisa…
Papai… queria contar um negócio pra você e espero que goste: minha turma na
escolinha fez uma apresentação especial para o Dia dos Pais. Foi um teatrinho
simples, mas emocionante, e que teve bastante aplauso. Quando acabou a peça e
todos descemos do palco, meus amigos foram abraçar os pais orgulhosos e eu dei um
abraço apertado no meu titio, que saiu mais cedo do trabalho e foi lá prestigiar
meu ‘show’. Entreguei ao meu tio também um cartãozinho que fiz de todo coração.
Neste cartãozinho tinha o senhor e eu desenhados, além de uma mensagem que
escrevi. Embora eu não me lembre direito do seu rosto, já vi algumas fotos que a
mamãe mostrou tempos atrás.
Meus amigos sempre perguntam: “Pq você não tem pai se ele não morreu?” Bom, eu
nunca sei o que dizer a eles, aí mudo de assunto. Eu busco respostas para isso
também…
Papai, eu queria muito andar de skate com o senhor na pista da pracinha que tem
aqui perto de casa. O senhor promete andar comigo quando voltar? Estou andando
super bem, o senhor vai ver… Se um dia vier de surpresa, acho que vou tentar
colocar tudo em dia com o senhor sem lhe dar sossego rsrs… Tudo o que eu vejo
os pais dos meus amigos fazerem com eles há anos – e que sempre tive vontade -,
farei contigo: abraçar, beijar, empinar pipa, brincar com bolinha de gude, rodar
pião, subir nas árvores, pular muros, jogar bola no portão da garagem de casa
fazendo as traves com Havaianas… ai ai… que sonho isso tudo… você não sente
a mesma falta, papai?
Hoje, a mamãe tem um namorado super legal e de quem eu gosto bastante pq as vezes
ele me agrada comprando sorvete. Mas confesso querer muito que você e a mamãe
fiquem juntos de novo apenas para eu ter a sensação de passar alguns dias
especiais ao lado do senhor, meu pai. Imagina só que legal a gente se divertindo
juntos no Dia dos Pais, no Dia das Crianças, em meu aniversário (e também no
seu), no Ano Novo e até no Natal, brincando de amigo secreto?
Nossa, acho que tudo seria mais completo se você estivesse com a gente. Por mais
legais que pareçam ser as datas festivas, sempre tenho a sensação de que falta
algo… é a sua falta que eu sinto, pai… nunca se esqueça disso. Se você
conseguisse ter a dimensão da falta que faz em minha vida, com certeza pegaria o
telefone e me ligaria hoje mesmo.
Creio que, o amor que os filhos sentem pelos pais, seja um dos únicos (pra não
dizer o único) que vem desde que estamos na barriga da mamãe. É uma pena
descobrir que o contrário nem sempre acontece, ou seja, que também somos amados
desde que estamos na barriga da mamãe.
Até pq, nós, bebês ou crianças, criamos um laço especial de carinho por vocês
mesmo sem saber o que virá em troca, pois, ao contrário dos adultos, não são
coisas materiais que nos comovem. Amamos simplesmente por amar, e ponto.
Fico entristecido em saber que os adultos não amam de forma pura ou quando não há
algo para receber em troca.
Sabe papai, às vezes não dá vontade de crescer. Quero tanto poder amar
infinitamente quem me ama. Quero tanto poder ter um filho um dia e poder amá-lo
de forma incondicional, independente da relação que eu tiver com a mãe dele.
Mas olhando a realidade do mundo ao qual vocês me colocaram, tenho pavor de ficar
adulto e abandonar meu filho também. Não quero isso jamais, nem para ele e nem
para mim… Só eu sei o pesadelo que vivo quando estou no meu canto, sozinho, com
dor, precisando de afeto…
Hoje sou um menino de oito anos que tem sido educado pela mamãe e pela vovó. A
mamãe está bem. Pelo menos é o que eu acho, já que ela nunca parece estar triste.
Na verdade, eu sei que ela fica triste, mas pra mim ela apenas sorri e diz que
tudo vai melhorar pra gente. Ela é meu refúgio e minha segurança. A mamãe é muito
forte, papai. É uma guerreira e sou muito orgulhoso em ser filho dela. Meu sonho
de vencer na vida é simplesmente por saber que terei chances de dar a ela uma
vida melhor na velhice.
Inclusive, nunca vi a mamãe falar mal de vc e também a admiro neste aspecto,
afinal, ela conquista o meu amor de forma natural e não precisa me jogar contra
você para isso, pelo contrário. Ela sempre faz questão de dizer que você é meu
pai e devo sempre respeitá-lo como qualquer outra pessoa. Quando se refere ao
senhor, minha rainha apenas diz que meu papai foi embora depois que a relação
terminou e que na época eu tinha dois aninhos. Minha mãe é outro nível, papai. Um
exemplo de fé, de luta, de amor e superação. O lugar dela é cativo aqui no meu
coração e não há nada nessa vida que possa mudar isso.
Papai… sabia que a minha mãe sempre fala de mim com orgulho para as amigas
dela? Ela diz que eu sou um menino educado, inteligente, enfim, enche minha bola
rsrs… Fico tão feliz em ver que ela tem orgulho de mim. Queria tanto que você
também tivesse um dia…
Sou uma criança tranquila e procuro não ficar pedindo dinheiro à mamãe pq sei que
as coisas estão difíceis, né? Sei disso por ver no jornal que estamos em crise e
também pq nunca sobra dinheiro para comprar um salgadinho pra mim.
Ah, papai… tenho tanto assunto legal pra te contar
Por exemplo, tirei 9 em matemática essa semana, acredita? Estou radiante com
isso, pois me esforcei o dobro estudando sozinho em casa, já que a mamãe estava
ocupada e não tinha ninguém para me ajudar com a tarefa. Estou lhe contando pq
pensei que você também ficaria se soubesse do meu esforço.
Por outro lado, de vez em quando acontece algo estranho comigo, papai. Algumas
vezes me pego chorando no banho, as vezes na hora de dormir e também na perua
quando estou indo à escolinha. O pior é que tudo geralmente começa sem motivo
algum, será que isso é normal? Não sei o pq dessa tristeza, pois sou apenas uma
criança de oito anos e vejo que pra mim tudo deveria ser diversão e brincadeira,
concorda? Será que essa angústia tem relação com a falta que sinto de você, meu
paizinho? Eu não tenho ninguém para contar o que está guardadinho aqui na alma e
sei que, não importa quem apareça para me ouvir, eu queria mesmo era dividir isso
com o senhor por saber que teria bons conselhos de como faço para passar ileso
pelas armadilhas da vida.
Olha, papai… eu te amo muito ainda, mas as vezes bate uma tristeza tão grande
(que não conto a ninguém). Queria muito entender o motivo do meu abandono, qual
justificativa tem essa faca que o senhor pregou em meu peito. Ela existe? Existe
justificativa para se abandonar um filho? Juro que gostaria de entender o que eu
fiz de tão ruim pra você nunca mais querer saber de mim, ou ao menos de importar
se estou morto ou vivo, se no inverno passo frio, se tenho comida no prato ou até
mesmo se conseguimos comprar lápis e caderno para que estude e tente ser um
humano melhor futuramente.
Nunca precisei de muito para ser feliz e, apesar disso, o senhor também nunca se
esforçou ou ofereceu o mínimo que fosse para ver se eu era capaz de sorrir e
correr de braços para o teu colo (com você agachado me esperando).
Apesar de não perder a esperança, dia após dia eu tento me conformar que nosso
reencontro poderá nunca acontecer devido tanto silêncio que ecoa neste mundão que
nos separa.
Eu queria encontrar o senhor, mas sou uma criança e confesso nem saber por onde
começar. Estou crescendo e, aos poucos, conhecendo a vida de uma forma muito
dura, infelizmente. O senhor não tem me preparado para encarar as adversidades ou
me ensinado em como levantar depois de uma queda.
O que vejo sempre é adulto dizendo que minha geração vai sofrer demais e que vou
ter que me virar (sozinho!). Como é horrível estar sem a base do meu pai, sem
suas asas, sem sua proteção, sem a sua segurança, sem o menor carinho que seja,
sem teu ombro amigo… é isso, um amigo… apenas o que eu preciso agora… um
amigo…
Tenho minha mãe sempre comigo e não há o que reclamar dela por todo amor que a
gente troca diariamente. No entanto, meu pai nunca está lá para comprar o
carrinho que todos os dias fico namorando na vitrine da loja próxima à escolinha,
ou até mesmo para segurar minha mão no pronto socorro cada vez que fico doente.
Papai… para finalizar essa carta que escrevi com muito custo – e que acabei
molhando a folha com pelo menos três lágrimas que escaparam durante o relato -,
queria pedir sinceras desculpas por ser teu filho. Aceite-as de coração. Deve ser
muito ruim ganhar um presente e não gostar dele, né? Deus lhe presenteou comigo e
você simplesmente abriu mão e me deixou à própria sorte ainda bebê.
Se eu pudesse escolher, certamente pediria pro papai do céu me dar outro papai,
pq aí você não ficaria com esse fardo de ter um filho ou de precisar amar alguém
que não deseja. Sei que, por mais que você fique longe de mim, sempre será
lembrado por Deus que tem um filho por aí, e embora eu não ache que deva sentir
isso, às vezes tenho sentimento de culpa por achar que estou atrapalhando a vida
de alguém.
Dia desses um adulto me disse que, embora divino, o amor é como uma semente.
Segundo ele, depois de semeado por Deus em nosso coração, ele deve ser regado
para que se desenvolva e se fortaleça. O amor por ninguém vem de forma gratuita e
se a pessoa não lutar por mantê-lo vivo, ele pode morrer.
Nossa, fiquei tão assustado com isso, papai. E se for verdade o que este homem me
disse? O amor que tenho por ti vai acabar então? Não desejo que isso aconteça.
Acho que já perdi o senhor na minha vida real, mas não quero que o senhor morra
em meus sentimentos também.
Um dia vou me formar em uma faculdade, um dia vou conseguir meu primeiro emprego,
um dia vou entrar na igreja com minha esposa, enfim… tanta coisa que eu ainda
tenho para viver, né? Quero que você se lembre de que nunca é tarde para reaver
um erro e/ou recuperar o amor de alguém, principalmente de um filho. Espero que o
senhor possa ler minha carta onde quer que esteja, reavaliar tudo isso e, quem
sabe, me deixar subir finalmente em seu ‘cavalinho’.
Ainda dá tempo, papai… ainda dá tempo… mas a vida é tão curta… não
desperdice os melhores momentos…
Quero sinceramente que siga teu rumo de forma abençoada e, principalmente, que
Deus me proteja e me guie.”
Ass:
Filho abandonado pelo pai.
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