Quando permito me distanciar de minha própria realidade, quando permito me desprender de minha bolha por alguns instantes, quando observo de fora com mais racionalidade… passo a compreender melhor a realidade do próximo e, consequentemente, a ter uma percepção diferente sobre determinado assunto pelo qual eu já acreditava ter uma opinião bem formada.
Por isso (I), estar imerso a determinada situação ou realidade, como um problema, por exemplo, nos torna mais “cegos” na hora de ter um entendimento mais assertivo sobre aquilo ou a conseguir uma solução mais adequada para o momento. Por isso (II), é comum termos aquela sensação de que somos bons conselheiros para os problemas de nossos amigos, mas que não conseguimos resolver nossas próprias pendências (às vezes até mais simples do que as deles) – o que acontece também quando temos amigos que nos ajudam com bons conselhos para nossos problemas, mas que têm dificuldades em encontrar soluções para seus próprios.
É o olhar de fora. É a visão pela ótica externa a do problema. É, por fim, como já mencionei no início: precisar sair da própria bolha para ter compreensões mais assertivas sobre algo e, assim, uma percepção melhor e mais justa daquilo que eu talvez tivesse criado uma ótica torta ou deturpada apenas por não ter ido lá imergir por alguns instantes e tirar conclusões mais sensatas e sensíveis.
Vamos aprofundar só um pouquinho mais?
É possível que nenhum ano recente tenha nos mostrando tanto a urgência de transformação humana quanto nos apontou o fatídico 2020 – quase que na base dos socos e pontapés por nosso próprio merecimento, infelizmente. Mas, será mesmo que só é possível reavaliar nossos valores, quebrar paradigmas culturais (e estruturais) e desconstruir pensamentos enraizados apenas por vontade própria? Sim, é.
Mas, obvio, requer muita ânsia em remar contra ensinamentos que nos foram empurrados goela-abaixo desde a primeira infância.
No mundo atual, não há mais espaço para o ‘quando der, mudo’, para o ‘minha opinião, minhas regras’ ou para o ‘sou assim, vou morrer assim e o mundo que se adapte’. Na verdade, nunca houve cabimento a esse tipo de procrastinação, mas o atraso intelectual e o egocentrismo histórico jamais permitiram uma evolução mais apurada do homem neste sentido. Afinal, se existe uma raça que só aprende na base da porrada e da perda, essa é a raça humana.
Tudo o que pensamos e que, consequentemente, nos leva para alguma tomada de decisão, é fruto de informações e influências que absorvemos por todos os lados desde sempre o tempo inteiro, seja através de pessoas, coisas, situações e/ou estímulos visuais/sensoriais a que somos expostos diuturnamente na vida real e, agora, nessa já, não mais utópica, realidade virtual. E nada disso chega até nós de um jeito imparcial, por acaso, e com a integralidade dos fatos. Ou seja, não sabemos da missa um terço ou por não nos permitimos a isso, ou, na maioria das vezes, por simplesmente não termos tido permissão para acessar a verdade.
Várias situações podem servir de amostras para essa tese puramente empírica, mas vou exemplificar utilizando classes sociais:
Uma vez, a empresa em que eu trabalhava me pediu pra fazer três orçamentos sobre algo que não me lembro agora, mas que farei de conta ser um kit, sei lá, com 100 canetas personalizadas.
Qual foi meu raciocínio? Trazer os valores mais baixos para gerar economia à instituição e, assim, ganhar moral com o chefe.
Quando ele olhou os valores e descrições dos produtos, a primeira coisa que fez foi me pedir pra refazer os orçamentos buscando empresas com as marcas ‘X’ que entregassem melhor qualidade. Aí retruquei: “Fulano, mas eu já vi nesses lugares e é muito caro”. Foi então recebi o Fatality: “você não tem que fazer orçamento para a empresa pensando no teu bolso. Nosso bolso não é teu bolso. Volta lá, traz qualidade e eu vou dizer se é ou não caro”.
Aquilo foi um ‘start’. Desde que nasci, tudo o que eu sabia sobre ‘ter dinheiro’ estava relacionado ao “mundinho” de pobre periférico em que eu tinha sido criado, envolto por escassez e alheio a infeliz realidade desigual da vida. Então, mais do que compreender que “eu não era todo mundo”, naquele dia descobri que eu sequer havia tido acesso a fatia relevante desse tal mundo até então.
Ou seja, EU VIVIA NUMA BOLHA.
Similar, inclusive, a bolha do lado de lá, vivida pela classe dominante, que, por não ter qualquer conhecimento mais profundo sobre fatos que regem bolhas como a minha, pensa, age e precifica como se todo o planeta tivesse condições igualitárias e recursos financeiros de forma abundante. A diferença é que, por serem detentores do poder e do controle sobre parte majoritária do capital, prejudicam as bolhas menos favorecidas e mais fracas… como a minha.
Entendeu pq a desigualdade social é tão prejudicial à humanidade? Ela faz com que não vivamos em um único mundo aos olhos de todos, mas sim, em milhares de mundos completamente distintos e desproporcionais.
Inclusive, podemos sair um pouco das classes sociais e exemplificar com quem vive em bolhas envoltas por preconceitos, como a do racismo, da homofobia, do machismo, do deficiente, da xenofobia… enfim, de minorias.
É aquilo: se não estou na bolha do racismo, quem sou eu pra falar o que machuca ou não os negros?
Se não estou na bolha do deficiente, quem sou eu pra falar se tal piada causa ou não dor e desconforto à luta dele?
Mesmo que eu deixe minha bolha, jamais conseguirei entrar nessas outras, deles, muito específicas. No entanto, é extremamente necessário sair da minha e bater lá no vidro deles para estudar e tentar compreender um pouco aquela realidade para que eu regresse à minha bolha uma pessoa melhor, menos preconceituosa, mais esclarecida, e claro, a partir desses conhecimentos adquiridos, disseminar isso para que outros, de minha bolha, percorram o mesmo caminho.
Opinar sem conhecimento de causa é muito prejudicial. A gente nunca vai ter empatia pela realidade do outro se ficarmos inertes apenas à nossa mísera bolha.
– Mas, afinal de contas, o que há de errado em estar numa bolha, Guifer?
Na verdade, ser parte de uma não é questão de escolha. Todos estamos imersos a um determinado modo de vida e cercado por contextos bem particulares. São vivências distintas se comparadas a do próximo nas mais diversas condições, sejam elas climáticas, geográficas, econômicas, religiosas, educacionais, de regime político, enfim.
Então, o ‘X’ da questão não está em ser parte de uma bolha, mas sim, manter-se alienado apenas na sua, deitadão, em berço esplêndido, e ainda assim querer opinar o tempo inteiro sobre situações e escolhas que acontecem na bolha do vizinho e que você não ter qualquer propriedade para se meter.
É imprescindível visitar e conhecer diferentes bolhas – mesmo que superficialmente – para não engolir as notícias que lhe empurram sobre elas, e assim ter domínio acerca de discussões que visam progresso a todas as bolhas.
O problema é que, infelizmente, a maioria das pessoas não se permitem a isso por preguiça ou por achar que já conhece muito sobre a vida mesmo trancado numa fração que nem de longe reflete o todo.
– Então, Guifer… mas esse é o lado bom das redes sociais, pq nos permite acessar a realidade de várias pessoas e com isso deixarmos um pouco nossa bolha, né?
Aí é que você se engana redondamente.
Não há bolha mais manipuladora do que essa, das redes sociais, que são geridas por uma tecnologia chamada ‘algoritmo’. Que nada mais é do que um robozinho que determinará, de acordo com nossas características e perfil de consumo, o que é autorizado chegar até nós.
E como o algoritmo das redes sociais só faz aparecer na nossa timeline o que aparentemente já é parte de nossa rotina, fica-se a percepção de que todos pensam iguais a nós sobre diversos assuntos, o que não nos me permite ter acesso ao todo, ao oposto, deixando-nos apenas com uma fatia da verdade (ou a ausência total dela), principalmente quando a pauta é notícia jornalística.
Isto é, não se iluda: quando conectamos o PC, Notebook, Tablet ou Celular à internet, estamos também acessando uma bolha…. virtual, mas bolha.. tão perigosa quanto a real.
Mas isso é assunto para um segundo momento…