Podcast Paternidade.doc
TEXTO, NARRAÇÃO E EDIÇÃO: Fernando Guifer
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[ Meu sonho era ser pai de menino. Mas eu estava completamente equivocado ]
Antes de ser abençoado com a inigualável sensação da paternidade, meu desejo inicial era aquele quase que comum a qualquer homem: ser papai de um menino (com ‘O’).
Não me pergunte o motivo, pois, eu não saberia explicar muito bem o porque dessa preferência aparentemente descabida.
Porém, me arrisco em dizer que talvez fosse por imaginar que eu teria companhia para bater uma bolinha no quintal de casa e, vez ou outra, dar um pulo no estádio para ver os jogos do meu time de coração (e também do dele – que seria igual ao meu, já que para nisso não há democracia em casa) hehehe.
Desde o início, assim que engravidamos, senti que meu filho na verdade seria uma filha. Mas, apesar de remar contra meus pressentimentos até o dia do ultrassom morfológico e jogar energias em direção ao sexo masculino, no fundo no fundo, o coração dizia que aquele pequeno embrião era mesmo uma delicada princesinha.
– Se for menina vou amar demais, porém, não vai ser tão legal. Prefiro bola a bonecas, prefiro futebol ao balé, prefiro azul ao rosa, e prefiro carrinho às casinhas – indaguei com meus botões (algumas vezes) de um jeito bem machista e à lá século 18.
Mas quem disse que a gente manda alguma coisa nessa vida, né? Espertalhões que tenham proferido aos quatro cantos do mundo que detêm poder de escolha sobre qualquer situação nessa passagem espiritual, certamente caíram do cavalo.
E sabe de uma coisa? Ainda bem!
O grande barato da vida está em não saber o que ela guarda para o nosso futuro, seja daqui um segundo (ops, passou!) ou daqui 30 anos (que venha!), enfim.
Na manhã em que faríamos o ultrassom para saber o sexo da criança, acordei com a sensação de que seria um dia especialmente diferente, sabe? Daqueles que ficam marcados para sempre na memória de qualquer pessoa que passe por algo semelhante.
Me emperiquitei todo para dar oficialmente boas-vindas ao novo membro da família que, a partir daquele dia já poderia ser chamado por algum nome, e rumei à clínica na companhia da esposa e dos sogros.
No caminho, meu pensamento flutuava para bem longe e dispersava imaginando como seria à volta para casa pós-exame. Em qual loja eu estacionaria para comprar o primeiro carrinho do herdeiro das minhas dividas, hein!? Huuummm…
E lá clínica foi assim, ó:
– Está vendo esses três risquinhos aqui, papai? – disse a ‘doutora’ que fez o exame, rabiscando um círculo ao redor da ‘pombinha’ na tela escura.
– Estou vendo, doutora. Mas, e aí? – questionou aflito e ansioso este papito que vos fala.
– Então, isso mostra que vocês vão ter uma MENINA! – emendou ela, sem rodeios, com sorriso na voz e observando nossa reação incrédulos, pero com ar de ‘já sabíamos!’.
Instantaneamente à notícia, sorri, fiquei bobo (o galo cantou e estou até hoje) e tomou conta de toda minha alma uma felicidade descomunal de poder e força sobrenatural, digna de um projeto magnífico nos moldes das mais lindas obras de arte criadas pelo Altíssimo.
Por alguns poucos segundos me desliguei do que acontecia nos apertados metros quadrados daquela sala, e já começava dirigir na cabeça um filme cujo roteiro pautava o como seria ter uma filha para chamar de minha dali em diante.
Eu não conseguia expressar o tamanho da emoção quando as batidas daquele coraçãozinho tomou conta das caixinhas de som no ambiente, reproduzindo uma sinfonia que compôs a mais bela das canções que já ouvi em 33 anos.
Por uma fração de segundos, ainda consegui tempo para terminar minha fase papai-machista com chave de ouro, pensando absurdos do tipo:
– Meu Deus, uma menina. Agora sim o pessoal vai começar com a famosa piadinha do ‘de consumidor a fornecedor’, caramba! Como reagirei quando ela completar seus 16 anos e aparecer uns pivetes na porta da minha casa querendo namorá-la? Aceito? Compro uma arma? Boto para correr? Enfim… acho que o melhor mesmo é ser um papai moderno, democrático, e autorizá-la a pegar na mão quando estiver com uns 43 anos de idade – refleti “sabiamente” kkkk.
Eu queria um menino, meu pressentimento disse que era menina, e no final das contas, percebi que isso não tinha a menor importância perto da grandeza em ser recompensado pelo amor incondicional de uma cria que leva meu DNA.
Ser pai ou ser mãe é um presente que transcende qualquer escolha, uma vez que trata-se de um afeto chancelado pelo infinito, ou seja, diferente de qualquer amor que possa existir na vida.
Envolvimentos afetivos ‘Homem VS Mulher’ vêm e vão; amor entre pais e filhos vêm e ficam. E a magia nisso tudo está justamente em sabermos com afinco que a ligação nunca morrerá nessa ou em qualquer outra vida, aconteça o que acontecer.
Saí da clínica com o autotítulo de ‘futuro-papai-babão-de-menina’, e eu, que já pesquisava absolutamente tudo sobre a paternidade desde o teste de gravidez, modifiquei um pouco as palavras de busca no Google e fui entender melhor sobre as delícias em se ter uma bebê mulher – com a bundinha lotada de fraldas correndo pra lá e pra cá (esvaziando minha carteira, mas enchendo minha casa e meu coração de alegria).
Hoje, cinco anos e meio depois do nascimento da minha pequena – e prematura – Laís, penso:
– Caracas. Como pode um dia eu ter cogitado ser pai de menino? Óbvio que eu jamais rejeitaria a incumbência de criar um pivete e o amaria infinitamente também. Mas, gente… é tão mais legal ser pai de menina!
Desde o nascimento até hoje, minha princesa Laís é a extensão do meu corpo e da minha alma, esta que, aliás, tornou-se mais pura, madura, generosa e afetuosa com ela, comigo e com o mundo. Nada graças a mim pq, nós, adultos, não costumamos nos moldar positivamente por conta própria.
Renasci quando ela nasceu. A culpa do esforço em eu (tentar) ser uma pessoa melhor dia após dia é todinha dela, vendo que hoje aprendi contar até 10 para situações de grande embaraço, e entendi que as coisas mais fantásticas da vida são indiscutivelmente as mais simples.
Como assim trocar um sorriso e um abraço da Laís por uma balada, por exemplo? Não troco. Não tem negócio. Sou dela integralmente e os interessados que entrem na fila.
Laís e eu somos grudados. Um é o número do outro, pq Deus a preparou para mim e aceitei-a de braços totalmente desatados.
Ela sente, eu sinto; ela ri, eu gargalho; ela chora, eu me descabelo; ela dorme, eu protejo; ela acorda, eu troco às fraldas; ela suja, eu dou banhinho.
Um dia me disseram sobre a teoria do apego, conhece? Aquela, inventada por algum autor desconhecido, que diz com elevada convicção que o filho homem é mais grudado na mamãe, e a filha mulher mais coladinha no papai. Não sei até onde existe veracidade nisso e/ou se funciona com todo mundo, mas comigo é 400% desse jeitinho sem tirar nem pôr.
Descobri que ser papai de menina é desfrutar toda doçura que a mulher tem, mas no tamanho miniatura, no formato pocket e de bolso. É ser alvo privilegiado de um poço que transborda sensibilidade, chamego, mimosidade, teimosia, carinho, xodó, e ternura – 24 por 48 horas.
Ai, ai, meus amigos… como é mágico fazer xuxinhas na juba de leoinha e passear com ela de mãos dadas no hall do prédio…
Aliás, deu saudades… vou lá e já volto!