Na verdade, sempre foi. A gente é que se acostumou a ser babaca!
Lutar pelo respeito ao próximo não é e não deve ser considerado “mimimi”. É um trabalho de desconstrução seguido de uma reeducação. Tarefa fácil? Não. De jeito nenhum. Até pq, foram décadas e décadas de um ‘pode tudo’ desmedidamente sádico que tinha alvos bem definidos, por exemplo: negros, gays, deficientes, nordestinos, indígenas e mulheres.
Desde os primórdios o ser humano é cruel e mal educado com as minorias e com o considerado “diferente” e “fora de um padrão” pré-estabelecido sei lá por quem, mesmo que, com o passar dos anos, certas práticas tenham tido como álibis justificativas como “eu tava só brincando” e “não fiz na maldade”.
Lembre-se: o que não é na maldade também machuca. Mas claro que, se você não é alvo, não sentirá dor. E mais, quem tu pensas que é pra dizer o que dói ou não no outro?
– Afz, Guifer… antes podia tudo e ninguém reclamava… a internet que causou esse reboliço todo –
Claro que podia. Ninguém tinha voz. Os microfones mais poderosos estavam nas mãos de meia dúzia e nosso comportamento sempre foi manipulado pelos grandes conglomerados de comunicação. O máximo que você (espectador, telespectador, ouvinte, leitor e/ou consumidor de publicidade) tinha acesso, era em mandar uma carta para determinado veículo ou agência para explanar sua opinião. E, claro, se fosse uma crítica, ela não seria sequer considerada/publicada. Ou seja, ditadura velada – manja?
Com a revolução tecnológica e o acesso à internet, vivemos a ‘democratização da comunicação’, nova era em que todos têm seu próprio veículo de mídia (sim, seu perfil aí é um veículo!) para expor suas preferências individuais e valores de vida. Quer ter um programa no formato de TV? É só montar um canal no Youtube. Quer ter um programa no formato de rádio? É só montar um podcast. Quer ter um portal escrito? Monte seu blog. E por aí vai…
Hoje, todos temos direito a um microfone com alcance minimamente decente – o que jamais aconteceu na história. Por isso, pessoas que sempre sofreram caladas, não mais se calarão.
Com isso, preconceituosos (ou ‘chucros’ como alguns gostam de se intitular) passaram a ter duas opções:
1- Manter suas falidas convicções sobre algumas temáticas e continuar com o cérebro estagnado em 1820, matando pessoas fisicamente ou psicologicamente na unha;
2- Aproveitar este momento (histórico) para tornarmos nossa raça de fato evoluída em aspectos que sempre patinou, pedindo desculpas, colocando o rabo entre as pernas e reavaliando algumas crenças estruturais.
Aliás, manter certas crenças – e culpar o ‘cultural’ por isso – nos mantém parados no tempo e nos torna resistentes à mudança, pois acaba sendo o pretexto que precisamos para continuarmos agindo de forma equivocada sem aparente culpa.
Contudo, vale refletir que o tal do ‘cultural’ foi que obrigou os alvos de “brincadeiras” escrotas, mesmo com sorriso amarelado, a rirem de si próprios sem saberem o peso que cada palavra pesada ou piada fora de hora tinha para seu grupo social, sua causa ou para seu psicológico em médio/longo prazo.
– Cada vez que um negro ria de uma piada de negro, ele corroborava com a discriminação da própria raça e fortalecia os argumentos racistas que lhes tirava direitos e os chicoteava – mesmo que mentalmente;
– Cada vez que um gay ria de uma piada de gay, ele fortalecia estereótipos preconceituosos que continuaria matando seus iguais;
– Cada vez que um deficiente ria de uma piada de deficiente, ele endossava ao mundo que era despesa, que merecia dó e que era incapaz de ser produtivo e realizar sonhos;
– Cada vez que um nordestino ria de uma piada de nordestino, ele chancelava, ao resto do país, que era preguiçoso, burro e improdutivo;
– Cada vez que uma mulher ria de uma piada de mulher, ela aplaudia a crença do machismo, da misoginia e da cultura do estupro.
Só que agora todos eles têm voz e pararam de rir das piadas que sempre os desonraram e os diminuíram perante à sociedade.
Ou seja, a mudança de comportamento desses grupos (e de quem se propõe em ser uma pessoa melhor a cada dia, quebrando paradigmas, crenças, reconhecendo erros, reavaliando valores e se colocando na condição de um eterno aprendiz), não é insumo de “mimimi”. É luta. E, mais do que necessário, mudar agora – e pra ontem – tornou-se indispensável para que tenhamos pessoas mais humanas no futuro.
A humanidade tem dívidas históricas com alguns grupos sociais. Foram séculos passando pano para barbáries que culminaram em violência gratuita e mortes pelos quatro cantos do mundo.
Quantas pessoas geniais, de caráter e necessárias tiraram suas próprias vidas por se sentirem inferiorizadas e humilhadas apenas por serem quem eram? Todas elas eram o amor da vida de alguém ou alguns.
E quem, ainda em 2021, optar por continuar endossando preconceitos e achando que pode decidir o que é ou não ofensivo ao próximo próximo, será cobrado.
Não tem mais graça, não tem mais o ‘eu não sabia que machucava’. Na dúvida, aprenda ouvir, estude mais e, principalmente, cale-se.