“(…) A enfermeira me conduz até a porta e fico observando a prematura mais linda do mundo se distanciando. Ela chora, a porta se fecha e o coração em pedaços me faz desmoronar no elevador vazio. O que mais consolou em mais esse dia implacável são as palavras da médica de que não havia com o que se preocupar, pois aparentemente tudo estava bem na luta pela vida. Faz-se necessário curtir, vibrar e aproveitar, porém, nunca se empolgar com uma melhora (nem se desesperar com uma piora). E é dessa forma mesmo, um dia de cada vez, sempre. Mas nossa alta hospitalar virá, tenho fé…”
… E ELA (A ALTA) VEIO, COM A GRAÇA DE DEUS.
Assim que a pequena deixasse de viver na incubadora minha esposa teria que se reinternar para escoltá-la no quarto por alguns dias. Era uma recomendação com dois motivos plausíveis: primeiro, acompanhar de perto como a bebê reagiria fora da neonatal no que diz respeito à respiração, alimentação e evacuação. E, segundo, habituar a mamãe nos cuidados com aquele ser especial que já protagonizava o centro das atenções de toda uma equipe 24Hs por dia – há quase três meses.
Era necessário ambientar-se, afinal, em casa seríamos apenas nós e Deus, sem auxílio médico para eventuais emergências.
Minha filha se recuperava conforme o esperado e, de acordo com a médica, seríamos contatados nas próximas horas para nos informarem sobre a alta. Desta forma, o telefone deveria tocar no domingo pela manhã. Mas como tudo para nós estava caminhando “em passos de formiga e sem vontade”, ele não tocou. Claramente um clima de inquietação deu as caras entre minha esposa e eu, mas não era para menos. Desde que a saga fora iniciada, o quadro clínico alternava sem prévio aviso do bom ao ruim e vice-versa.
– Algo ocorreu para que a Laís não deixasse a UTI – nos questionamos.
Então, pegamos o carro e seguimos rumo ao hospital. No caminho, silêncio absoluto. Ambos desgastados com aquela rotina que parecia não ter fim e que nos envelheceu pelo menos uns 30 anos física e emocionalmente.
– Ok. Vamos lá. Não importa o que tenha acontecido desta vez. Vou segurar a mão da minha filha, beijá-la na testa e dizer que não foi hoje, mas será o quanto antes. Ela está curada, eu creio – pensei durante o trajeto (e cumpri ao reencontrá-la).
Para sair daquele ambiente horrendo de UTI, minha Laís devia mamar pelo menos 35ml, e essa tornou-se uma das primeiras metas de sua vida. No entanto, ela acordou manhosa naquele domingo, fez charme e não se alimentou bem. Bom, até aí tudo bem, menos mal, não é mesmo? Nada grave tinha acontecido de fato e acabamos criando um monstro natural a quem está acostumado somente com monstros. No mais, continuaríamos aguardando por uma questão de horas. Não culpo minha filhota pela preguiça no alimentar-se, pois é uma característica iminente do papai. Sim, isso não deixa dúvidas: ela é realmente minha filha. Oh glória!
Introduzi os braços na incubadora, encostei meu rosto no acrílico e, olhando fixamente para ela, iniciei uma longa e carinhosa conversa em tom explicativo de que agora, mais do que nunca, estava em suas mãos dar o grito de liberdade e viver uma vida que lutou tanto para desfrutar. Fui embora torcendo para que minha filha demonstrasse sinais de obediência e ingerisse todo ‘tetêzinho’. No dia seguinte, o telefone finalmente tocou com a notícia mais esperada dos últimos tempos: A Laís deixaria a UTI.
A bolsa com os pertences estava pronta há tempos, pois era certo em nossa mente que este dia chegaria. A morte nunca foi cogitada. Sabíamos que ela estava entre a vida e o melhor que a vida tinha para lhe oferecer, e desta forma que nos mantivemos em pé durante os 76 dias na Unidade de Terapia Intensiva: um passo para trás e dois pra frente, sempre. O medo nunca foi maior do que a fé, e isso atrelado ao amor curaram nossa Laís. Obrigado, Senhor. Hoje e sempre, por tudo.
Minha mulher entrou para dar banho, enquanto as médicas liberavam um quarto para ambas dois andares abaixo. Eu, sozinho no lado de fora da porta, fiquei sentado em um dos bancos rígidos de plástico daquele corredor à meia luz que me abrigou por tantos dias de solidão e silêncio. Não pensava em mexer no celular, pois nada no mundo me importava senão ver a UTI abrindo suas portas e o carrinho libertando a Laís daquele lar provisório e agoniante.
Durante muitas semanas, dezenas de bebês entraram e saíram. Muitos pais chegavam e tinham alta. Menos eu. Menos minha esposa. Menos a Laís. Nós, não, nunca. Na verdade ficávamos sempre lá torcendo pela vitória que na certeza do coração viria cedo ou tarde. E por mais difícil que parecia ser, o dia chegou, e valeu a pena esperar cada segundo.
Com minha cabeça inclinada e as mãos em formato de oração sobre o rosto, olhava para a parede branca, perdido em pensamentos retrospectivos. Ouvi o barulho que a porta da UTI fez e meu olhar bruscamente se voltou àquela imagem da maçaneta se contorcendo para, com as pálpebras cheias d’água, ver a Laís finalmente deixar a UTI Neonatal. Era meu diamante vencendo o acrílico. Era rico, era magnífico, era estupendo, era maravilhoso, enfim… não há palavras para descrever uma cena que sempre foi sonhada, mas que poderia nunca ter acontecido. Contudo, aconteceu, para honra e glória do senhor Jesus.
No elevador, apenas nós três: Minha esposa, a Laís e eu. Desta vez, descendo. Para o quarto, mas descendo. Era progresso e não retrocesso. Era vitória e não derrota.
Minha esposa e eu nos olhávamos incrédulos com aquele sonhado instante que, para muitos poderia não significar nada, mas, para nós, era o presenciar de um milagre ao vivo e a cores. Foram 76 dias subindo para a UTI, sendo que, em muitos deles, estivemos perto de perder nossa filha. Entretanto, nosso sorriso com os lábios trêmulos mostravam que nunca desistimos da nossa princesa e, principalmente, nunca nos abandonamos no momento mais obscuro da nossa trajetória não apenas como casal, mas como parceiros, amigos e humanos.
A Laís ficou no quarto e pode ser visitada pelos demais familiares que não a conheciam. As pessoas trouxeram uma magia, um amor incondicional e uma energia que fizeram um bem incrível à recuperação dela. De início, ficaria três dias com a mamãe por lá, porém, novamente minha pequena mostrou-se rebelde e relutou com a dieta. O castigo veio, porém, a cavalo: mais um dia de internação até mamar conforme o combinado com a doutora. O quarto pôr do sol nos fez completar 80 dias de internação. Mas era o derradeiro. Hora de ganhar asas e descobrir que as coisas simples são as mais significativas do mundo. Hora de conhecer a chuva, as nuvens, os animais, as flores…
Já na recepção prestes a ir embora, foi novamente hora de enxugar minhas lágrimas. E isso aconteceu no momento em que a enfermeira cortou a pulseirinha que estava no minúsculo bracinho dela. Um símbolo que tornou-se quase uma tatuagem na pele rosada da minha Laís. A tesoura dilacerando aquela ‘credencial’ foi o mesmo que retirar a faca que ficou 80 dias em meu peito. Acabou. Estamos vivos. Jogo que segue, e bora para as próximas batalhas da vida. E você, minha filha, nunca esteve e nunca estará sozinha. Eu te amo.
*** Confira, em relatos inéditos, a história completa da Laís no livro “Diamante no acrílico: entre a vida e o melhor dela”, desde a gestação até o primeiro ano de vida.
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Ilustração: Vitória da Silva Fonseca (Vicky)