Estaciono o carro na rua daquele que é meu destino há 32 dias e, ao aproximar-me
do prédio, paro por um instante, coloco as mãos na cintura, respiro fundo, e
observo a fachada. Meu olhar já fadigado ruma sentido à janela do oitavo andar,
onde as luzes acesas iluminam um pedaço de mim que lá está precisando do meu
cheiro, do meu beijo, do meu abraço, da minha segurança, do meu canguru…
Pressiono os lábios e, piscando lentamente, respiro fundo como se buscasse forças
para mais um dia na angustiante rotina de papai incompleto.
O relógio soa 13H23, exatamente sete minutos antes de o acesso ser liberado para
o encontro entre meu diamante e eu. Geralmente é pontual. E se não for, é pq algo
lá dentro não está bem. Antes de qualquer coisa, a primeira torcida acaba sendo
sempre essa mesmo: da exatidão no abrir da porta.
Ainda no térreo, um “boa tarde” acompanhado do já tradicional sorriso amarelo
saúda a recepcionista. Aquele não era o primeiro cumprimento a ela e também não
seria o último dessa página cinzenta na trajetória da minha família.
Aparentemente o tempo passava para todos, menos para mim. Dia após dia lá estava
eu dando “boa tarde” sempre no mesmo horário, sem exceção de feriados ou finais
de semana pq não se mensura o amor através de calendários.
Meu nome, meu RG e quem eu visitaria eram informações que aquela funcionária já
sabia de cor e salteado. No entanto, ela fazia questão de cumprir seu protocolo e
só liberava a entrada depois que eu cumprisse com minha parte na formalidade, que
era dar o nome da paciente e o número do meu documento. Em nenhum momento a dor
era abreviada por qualquer pessoa que fosse. E dessa forma prosseguiu até o final
dos 80 dias de agonia.
A etiqueta na camiseta trazia a escrita “Neonatal”, e nada mais. Era minha
espécie de credencial hospitalar para acariciar quem eu mais amo. Era meu
passaporte da alegria e somente com ele os seguranças permitiam que eu
prosseguisse até meu destino que, embora espinhoso, era encantador.
Já no elevador, percebo que outras pessoas aguardam para desembarcar no mesmo
andar que eu. Nos olhamos, mas não trocamos palavras; nos entendemos, mas não
conseguimos explicar uns aos outros o pq de estarmos ali. A única coisa que
sabíamos – mesmo sem pronunciar uma letra – era o objetivo em comum que nos unia
por mais um dia: a prematuridade.
Nossos filhos vieram ao mundo antes do previsto e isso nos fazia diferentes dos
outros pais nos mais diversos aspectos. O principal deles? Ir embora diariamente
com os braços vazios e a alma em pedaços. Ninguém ali viveu o conto de fadas
comum à maternidade ou paternidade.
Conforme o elevador abre suas portas, eu, mais próximo à saída, me posiciono
lateralmente no canto esquerdo e, com um dos braços, impeço-o de se fechar. Com o
outro braço, conduzo os pais ao desembarque. Era então chegada a hora de
vivenciar as emoções do momento mais esperado e DESesperado do dia. Sim,
novamente nós “caímos de paraquedas” na porta da UTI Neonatal, e todos estavam
ali para desempenhar sua missão particular de emanar fraternidade a um ser que,
apesar de não ter nem tamanho, já havia mudado a vida de cada um dos presentes. E
cada missão se traduzia em uma história de luta, fé, esperança, preces e
superação (ou não), sem qualquer matemática exata.
São 13H34 e a porta ainda não abriu. No corredor estreito todos se acomodam do
jeito que é cabível e apenas por educação esboçam um sorriso de ‘oi’ com o canto
dos lábios. Os quatro minutos de atraso foram mais que suficientes para que o
espírito de inquietude tomasse conta daqueles poucos metros quadrados. Pernas
balançam, alguns andam de um lado para o outro e nada se houve além de ecos
provindos de outros andares. O silêncio é ensurdecedor, pressiona o peito e tira
o ar completamente… oh, meu Deus, cuide dessa próxima hora que vamos vivenciar
e que não tem mais volta…
*** CONTINUA EM BREVE NAS PARTES 2 (o durante) e 3 (o depois) ***
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