Nada contra sua felicidade com os Jogos Olímpicos Rio 2016, pq também estou radiante com o resultado positivo do nosso quadro de medalhas e, claro, com a “imagem otimista” que transportamos aos amigos do primeiro mundo, provando a eles que a gente é ‘zica memo’ e que podemos ser os melhores quando queremos. Que orgulho do Brasil, né gente?
Nossa autoestima elevou-se com o clima que vivenciamos nas duas últimas semanas e, é verídico afirmar que hoje somos um país infinitamente mais contente e melhor preparado para enfrentar os problemas do dia a dia, concordam?
Até encarei com bom humor o fato de pegar ônibus lotado na garoa para vir ao trabalho hoje e estou super ansioso para dar um pulo no supermercado com R$100 e voltar com duas sacolinhas pela metade. Puta legado mesmo. Valeu COI, eu te amo! 💜
Claro que minha ironia para propor sua leitura não tem relação com revolta ou com o ato de jogar água no chope dos outros, pelo contrário. Essa é a provocação que dá o tom a este texto mesmo: refletir sobre quem somos e o que buscamos com nossa inconstância emocional. E a escrita veio quando percebi que também sou meio que um desses, entende? Apesar de não ter feito nenhum post anterior sobre o evento, também reprovei a realização da Rio 2016 e depois coloquei-a debaixo do braço e a protegi como se fosse só minha.
E o que deveria (ou não) nos preocupar é justamente essa fugacidade no jeito brasileiro de encarar as coisas.
Aconteceu também na Copa do Mundo, em 2014, alguém se lembra? Todos “apoiaram” desde o início e “ninguém” foi às ruas protestar contra os desvios multimilionários de um dinheiro que aparentemente nunca existiu, mas que num estalar de dedos, “PLIM”, estava lá quando a FIFA e o COI nos chancelaram como país sede dos principais episódios esportivos da nossa era.
Exatamente isso mesmo, Brasil.
Tirando as pessoas envolvidas diretamente com os dois eventos, como atletas, dirigentes e políticos, não conheço ninguém que tenha se manifestado em favor de suas realizações nos últimos anos até duas semanas atrás, com alegação legítima de que o país não tinha condições de cuidar nem de si mesmo quanto mais fazer coisas de tamanha grandiosidade. Todos ecoaram que em alto e bom tom que qualquer investimento deveria ser feito para a população, ou seja, injetar grana em educação, segurança pública, saúde, etc.
E assim foi até acabar o show da Cláudia Leitte em SP e/ou até o Vanderlei Cordeiro de Lima acender a pira no RJ.
De repente, do nada: PUFFF… viramos completamente a chave do ‘lutar por nós mesmos’ para o ‘ta bom, vai…”.
Copa do Mundo e Jogos Olímpicos foram idênticos em quase tudo, desde o desempenho dos nossos atletas até a participação do povão que deu show de “nunca critiquei!” no decorrer das competições.
– Oras, Guifer… mas já que os Jogos vão acontecer e não tem volta, meu papel era o de apoiar mesmo, certo? Vou ficar pagando de protestinho enquanto todo mundo canta o hino? – podem dizer os mais afoitos.
Então, afoito… não sei.
Será que foi o certo? Será que é a tua bandeira e o teu hino que estão li representados mesmo ou será que são os interesses de poder público e de instituições privadas, como o
COI, que veio para sugar nosso sangue até a última gota (como fez a FIFA há dois anos)?
Pq apoiar um evento que praticamente levou à falência um dos estados mais importantes economicamente e culturalmente do Brasil perante o mundo? Pq apoiar um evento que (também) ficou marcado por escancarar de vez nossa velada ditadura ao censurar os legítimos protestos de ‘Fora Temer’?
Já parou para pensar que é justamente por não termos a menor vergonha na cara que as coisas estão como estão por aqui?
Cá pra nós. Cadê (nossa) coerência nisso tudo?
Será que agora finalmente aquele papo de ‘tenho uma personalidade forte e irrevogável’ ou de ‘odeio hipocrisia’ cai por terra de vez?
Afinal, de que adiantou criticar maçiçamente a realização dos jogos desde que seu país foi escolhido, em 2009, para, agora, tornar-se a pessoa mais amável, sensível e patriota do universo? Você tem noção do quão pé no saco foi durante todo esses últimos anos em várias postagens que fez, inclusive poluindo a timeline dos seus amigos?
Agora, ver alguns pagando de que apoiou desde o início o Brasil como sede (e cada modalidade desde o início do ciclo) é, no mínimo, bizarro – e dá sim vergonha alheia e vontade de rir muito cada vez que certas pessoas utilizam hashtags do tipo: #SomosTodosOlímpicos e #BláBláBlá.
Como sou um cara sensível e chorão, confesso ter me emocionado demais em muitas postagens do povo brasileiro nas redes sociais, sabia? Me tirou sinceras lágrimas ver o engajamento em peso das pessoas no momento de mostrar-se dissimuladas e postar opiniões divergentes, uma atrás da outra, apenas pela maravilhosa busca por likes (curtidas), tão frequentes na realidade virtual a qual estamos imersos. Me parece que as pessoas nunca mais foram elas mesmas desde que a esmola por likes foi criada.
Mas, tudo bem, gente. Como diria o ditado: “tá no inferno, mata o cão!”.
Os atletas são os menos culpados da nossa vulnerabilidade, e, inclusive, é somente por eles que nos deixamos levar pela emoção, correto? Pois, além de não terem culpa de nada, são os legítimos representantes da nação nessa jossa e as pessoas por quem devemos reverência por lutarem tanto mesmo quase sem apoios.
Eu mesmo tive aquele momento de lágrimas durante a conquista da prata pelo Diego Hypolito. O cara é batalhador e tem uma incrível história de superação. Chorei mesmo pq é tocante ver pessoas realizando seus sonhos mesmo depois que o país inteiro riu apontou o dedo no nariz dele, dizendo que tratava-se de um fracassado quando caiu em Londres e em Pequim.
Ah, nem preciso dizer que agora todo mundo publica que sempre o apoiou, né? (olha a gente aí de novo mandando ver na contradição/babaquice que já estão condicionadas em nosso íntimo).
Imagine só dois políticos batendo papo no momento em que resolvem trazer um presente de grego desse para uma república falida como a nossa:
– Cara, o povo não é bobo. Não vamos nem candidatar o Brasil para sediar um evento desses pq vai ser um fiasco de público com todo mundo querendo nossa cabeça – diz o primeiro.
– Você está louco? Como assim o brasileiro não é bobo? Brasileiro é sim bipolar ao extremo. Vamos fazer o evento pq é nossa chance de arrancar até as cuecas desse povo. No início, vão pagar de nervosinhos, falar mal, ir às ruas com cartaz de canetinha, enfim, nos pichar bastante. Porém, depois, é só aplausos e ninguém vai nem se lembrar do dinheiro que sumiu do bolso deles. Sempre agem dessa forma, relaxa. Não tem erro! – completa o segundo.
Então, eu pergunto: E dá para discordar de um diálogo como este? Não, amigos, não dá.
Somos realmente bipolares, não temos metade da personalidade que pregamos e adoramos pagar de donos do nariz. É cultural, sempre foi assim e não vai mudar jamais.
Aliás, um exemplo chulo da nossa intermitência é a rivalidade ridícula e infantil criada em torno do Neymar e da Marta. Deu para perceber o quanto mudou-se de opinião a respeito destes atletas durante o período de 10 dias? Se lembra da camiseta do Brasil toda rabiscada de canetinha por um garoto? Então, ela diz muito sobre a falta de consistência em nossas opiniões.
Ainda temos o velho costume de reproduzir a primeira coisa que assistimos, lemos e ouvimos, e, claro, levar tudo como verdade absoluta sem fazer questionamento plausível a pauta em questão.
Se já ridículo comparar Neymar e Marta por serem atletas de gêneros diferentes, mais ridículo ainda é o povo ficar igual bolinha de ping-pong nas convicções, enquanto a imprensa, também desesperada por cliques e audiência, está no domínio das raquetes.
*** Falando da imprensa, é triste ver que ela também esquece que é parte do povo, né? Aí fica fazendo papel ridículo digno de constrangimentos diário. #RIPJornalismo.
É isso, gente.
Políticos continuam sendo apenas um reflexo da sociedade, e não o contrário. Enquanto você engolir, vão enfiar guela abaixo o que quiserem, pois, no final, eles sabem que você vai dar risada da própria desgraça.
Sendo assim, quando algo soar estranho na forma como nosso território é conduzido, busque respostas primeiro na própria conduta e, em seguida, na forma como a cultura de “se foder sorrindo” mantém nosso comportamento omisso.
——————————————————————————————-
Siga no Instagram:
www.instagram.com/fernandoguifer
Curta a página:
www.facebook.com/fernandoguifer
——————————————————————————————-
Foto: Silvia Izquierdo/AP