No início de outubro veio à tona uma polêmica em torno da proibição da tal ‘Vaquejada’, imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a Lei 15.299/2013, do Ceará, que regulamentava essa atividade recreativa-competitiva como prática desportiva e cultural no estado.
Do dia 06 de outubro pra cá, algumas pessoas se posicionaram veemente contra a Vaquejada, outros, porém, têm feito campanhas vigorosas nas redes sociais em favor dessa chamada ‘manifestação cultural’.
Aos que não conhecem a Vaquejada, trata-se de um costume (mais comum na região nordeste) em que dois vaqueiros montam em seus cavalos e correm atrás de um boi para agarrá-lo e torcê-lo pelo rabo até que o animal caia com as quatro patas para cima.
Para se ter uma noção das consequências promovidas por esse “admirável” passatempo de “humanos”, entre alguns danos causados aos bois, estão: fraturas nas patas e rabo, ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos, e eventual arrancamento do rabo e comprometimento da medula óssea. Sem contar que os cavalos também sofrem esporádicas lesões.
Resumindo: a “brincadeira” envolve nada mais que o sofrimento do animal, e ponto. Ver o bicho estrebuchando no solo com expressão de dor e de ‘o que eu fiz para merecer isso?’ é o único prazer dos amantes da Vaquejada, que saboreiam tudo em uma arena com ares de ‘evento do ano’, tendo pessoas felizes e vibrantes como se estivessem em uma final de Copa do Mundo de futebol.
O grau de bizarrice e crueldade faz parecer mentira, mas não, infelizmente, não é.
De um lado, o STF quer extinguir a ‘festa’ sob o argumento de que “manifestações culturais não se sobrepõem ao direito de proteção ao meio ambiente”.
Do outro, o Governo do Ceará trabalha com a desculpa de que a Vaquejada é importante para a economia por movimentar cerca de R$ 14 milhões/ano, além, é claro, do papinho (sempre) furado de ‘cultura regional’, ‘tradição’ e blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Bom, quer dizer então que o faturamento monetário e o aspecto cultural de uma região são mais importantes que o bem-estar da fauna, que, inclusive, é o que abastece, de forma sustentável, nossa vida? Entendi.
Traduzindo:
– Dane-se o sofrimento do bicho, o que é importa é a nossa felicidade momentânea – diz os que são a favor… mesmo sem abrir a boca.
Pesquisando sobre o tema, encontrei na web o texto de uma pessoa que defende a Vaquejada, e o que mais chamou minha atenção foram as razões apontadas caso se confirme o fim das apresentações pelo Brasil.
Entre suas alegações, estão peripécias do tipo:
“(…) Como ficará o locutor de voz brejeira?
Está proibido do vaqueiro se apaixonar pela filha do fazendeiro?
E a filha do fazendeiro não pode mais chorar ao ver que sua paixão “botou o boi da disputa” e ganhou a vaquejada?
De que viverá o boiadeiro?
E a casa da ração, será demolida?
Já podem vender os caminhões?
Fechar a serralheria do caba que fez a gaiola?
Chico Couro Velho do cortume, Xixico de Zequinha da Casa dos Arreios, não podem mais tirar seu sustento?
O veterinário interromperá o tratamento do cavalo de esteira e do cavalo puxador?
E Seu Zé Sapateiro que faz botas encomendadas?
E o rapaz que me vendeu um Pen Drive cheio de toada de vaquejada?
O caba do espetinho? A menina que vende boné? Vocês vão para onde? (…)”
Aí eu te pergunto:
– Dá para aplaudir uma “cultura” como essa?
– Dá para levar a sério argumentos como este (que não foram escritos brincando, pois a pessoa realmente falava com aparente verdade)?
– Dá para apoiar um costume que judia de animais baseado em alegações bizarras como as citadas acima?
Faça-me o favor, campeão. Isso só pode ser uma brincadeira de muito mau gosto, né? O que todas essas pessoas que hoje têm sua renda complementada com a Vaquejada vão fazer da vida é problema delas.
Se a Vaquejada é a única fonte de renda, que arrumem um novo emprego, pois ninguém é quadrado. Apenas PAREM de agredir os animais gratuitamente!
Quando vejo que existe polêmica, em 2016, em torno de obviedades no naipe das Vaquejadas e Rodeios, por exemplo, me sinto um homem das cavernas, sabe? É como se estivesse num planeta a que não pertenço – e convivendo com uma sociedade que não aprendeu absolutamente nada sobre o conceito de humanidade e, principalmente, a essência do amor (embora pregue isso aos quatro ventos diariamente).
Não podemos achar natural maltratar animais para fins de diversão e, ao mesmo tempo, entender como absurdo um cara de bem ser espancado por desconhecidos na esquina. Qual a diferença entre os casos? Nenhuma. Ambos não fizeram nada para serem agredidos. Não há lógica de raciocínio. É contradição atrás de contradição.
Terráqueos se tornaram tão assustadores que hoje é normal não agir de forma coerente sobre o que se diz e o que se pratica.
Fulano diz que ama os animais, posta foto com cachorrinhos e gatos fofos, mas basta surgir uma Vaquejada ou Rodeio confirmando showzinho de um Jorge & Mateus da vida, que o bonitão vai lá contribuir com o show de horror, digo… festa, dando seu dinheiro ao organizador – e financiando a manutenção da tortura para o próximo ano.
Mas até tudo bem, né? Afinal, o gatinho é mais importante do que o boi, não é mesmo?
As pessoas criaram o hábito de pôr a palavra ‘empatia’ debaixo dos braços para pregar um falso moralismo de que se colocam no lugar do outro em prol de um mundo melhor.
Desculpe, mas se você é um sujeito que se preocupa com o próximo jamais deveria se tornar parte integrante, direta ou indiretamente, de uma prática que celebra o espancamento animal, como a Vaquejada.
E não estou falando somente daqueles que desempenham o ato em si, subindo no cavalo e agredindo bois covardemente. Refiro-me a qualquer envolvido, desde o bilheteiro, vendedor de pipoca, jornalista que cobre (e/ou dá mídia para isso), artista/esportista que toca em eventos como este e, claro, o ‘fã/torcedor’ que vai à arena bancar esse tipo de perversidade.
A proibição da Vaquejada mostra que ser empático não é se atentar apenas ao umbigo de seres humanos, pelo contrário. Não permitir que espetáculos repulsivos desse tipo aconteçam legalmente, e punir os que transgredirem a lei no caso de proibição, é o indício básico do amadurecimento de uma nação que anseia em se melhorar, mesmo vivendo em um país conhecido por ser “terra de ninguém”.
A discussão ainda vai longe, mas espero de verdade que pelo menos uma vez na vida a justiça brasileira seja firme e assertiva em uma decisão, pois não se trata de favor, e sim, do mínimo para nos fazer resgatar aquele restinho de fé na humanidade que está na raspa do tacho.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. E que o bem vença, como sempre!
————————–
Ps: Nasci em São Paulo, minha descendência paterna é baiana, a materna é mineira, e essa mistureba fez de mim um grande admirador da cultura brasileira em todas as suas esferas (incluindo a cultura nordestina, a quem o Brasil deve muito!).
O texto acima não tem relação com regionalismo/bairrismo, e sim, com os maus-tratos proporcionados aos animais através da Vaquejada.
————————–
Imagem por: Papel Branco (Estevão Branquinho)
Curta a página para acompanhar charges inteligentes diariamente: www.facebook.com/
Curta minha página em:
www.facebook.com/fernandoguifer
Siga também no Instagram:
@fernandoguifer
Eu também sou contra. Mas vejo muitos dizendo que atualmente usam rabo postiço no boi e que portanto não causa danos a eles. Eu não sei se é verdade. Estou procurando respostas para isso. Pode me explicar como funciona este rabo postiço? Obrigada.