Hoje ela completa 3 aninhos, e aproveito para dividir uma história emocionante com vocês…
A NOITE E O DIA MAIS LONGOS DA MINHA VIDA
“Certamente a madrugada que separou o dia 04 do dia 05 de janeiro de 2014 foi a mais longa da minha vida. Não lembro se consegui jantar antes de repousar, mas quando me deitei só pensava em falar com Deus.
Fui dormir com planos de casar com a mulher que eu amo e poderia acordar sem ela; fui dormir com a sensação real e plena de felicidade em ser pai e poderia acordar sem minha filha também; enfim, fui dormir no dia 04 tendo as duas e poderia já na manhã do dia 05 não ter nenhuma delas.
Aquele misto de sensações corria de lá para cá em minha mente e no meu emocional. Entretanto, graças a Deus consegui dormir bons períodos aquela noite, pois Ele não estava cuidando só delas, Ele também não se esqueceu de mim por nenhum momento.
Acordei para o dia mais inesquecível da minha vida. Era 05 de janeiro de 2014 e eu seria pai naquele manhã.
Peguei meu sogro e minha sogra e por volta das 9h30 chegamos à maternidade. Como o médico já havia adiantado, o parto seria a partir das 10h, mas sem um horário exato.
Sentamos na recepção e ficaríamos ali até que algum funcionário filho de Deus viesse nos abastecer com notícias. Novamente o silêncio entre nós três era ensurdecedor. Todos pensando, orando e emanando “vibes” boas para aquela sala de parto.
Comecei a pensar em tudo o que já tinha vivido até ali, desde meu sonho em ser pai, os primeiros sintomas da Fabi, o teste de gravidez, os planos que fizemos em casar e constituir nossa ‘família margarina’.
Pensei em como nos conhecemos, os passeios, as coberturas jornalísticas juntos, as brigas, os namoros, enfim. Minha vida ao lado da Fabi passava a todo instante em minha cabeça e eu pedia para Deus deixar a gente concretizar nossos sonhos lado a lado. Não era possível que tudo aquilo que planejávamos com ela deitada em meu peito iria se acabar daquela forma.
No dia de seu nascimento a Laís nem tinha enxoval definido. Antes de toda essa turbulência havíamos combinado de começar a comprar as coisas lá para Janeiro mesmo (só não contávamos com a astúcia do universo em nos pregar uma peça tão embaraçosa).
Sabe toda magia que um pai vive no momento sublime da paternidade? Então, eu não tive nada daquele glamour que a maioria vive.
Não vi o parto, não chorei, não tive a chance desmaiar ao vê-la nascer e não tirei selfie com a bebê chorando e a mãe emocionada ainda na mesa de cirurgia. Tudo o que sonhei ficou para trás.
Creio que até por isso amadureci minha ansiedade descontrolada. Aprendi que devemos viver o hoje e esquecer-se do futuro, pois ele realmente pode não existir ou existir de maneira totalmente diferente do que foi planejado. Devemos estar preparados para essas frustrações naturais que o universo nos impõe e que nunca entendemos os motivos. Mas o universo não explica, ele só impõe. Cabe a nós aprender a lidar na marra.
Apreensivo e angustiado, fui ao banheiro do hospital e na hora em que abri a porta (já saindo dele), vi uma funcionária do hospital conversando com meu tio e meus sogros. Ela trazia notícias.
Paralisei por segundos observando de longe, como se estivesse com medo das notícias. Em dado momento minha sogra sorriu e, ufa! Foi o suficiente para seguir mais aliviado e então saber se minha filha já estava no mundo e se minha mulher estava bem.
A funcionária era uma enfermeira da UTI adulta e cuidava da Fabi em determinado período do dia. Muito simpática, ela se espantou quando dissemos que não sabíamos de nada ainda. Já era mais de 13h e ela afirmou que a Laís tinha nascido exatamente às 11h50 e que a Fabi já havia retornado à UTI adulta de novo e estava se recuperando. O parto tinha sido um sucesso!
Quando ela me disse que a Fabi estava bem senti um alívio tão grande que me esqueci de perguntar se poderia vê-la. A primeira coisa que falei foi:
– E a Laís, está bem? Eu posso ver minha filha? Onde ela está?
Ela então disse que a Laís estava sendo cuidada na UTI Neonatal e que eu poderia subir lá se quisesse. Bom, ela nem terminou a frase e eu já estava na porta da UTI Neonatal.
Apesar da fila, cheguei esbaforido, chamei uma enfermeira e falei que minha mulher tinha dado a luz minutos atrás. Falei o nome da Fabi e a enfermeira disse:
– É aquela incubadora ali, mas o senhor deve lavar as mãos.
Lavei as mãos rápido e até hoje não lembro se furei fila. Fui me aproximando lentamente e minha visão que estava turva começou a focalizar pela primeira vez aquele pequeno diamante que mudaria pra sempre o rumo da minha vida. Essa pedra preciosa ao qual me refiro era minha tão sonhada Laís, que nos próximos três meses teria momentos inacreditavelmente difíceis dentro de uma caixa de acrílico chamada incubadora.
Em seu leito, um papelzinho com a imagem da personagem Hello Kitty trazia a escrita: Laís. Já a pulseirinha que estava em sua canelinha constava dados como peso, altura, data e hora de nascimento.
Encostei meu rosto na incubadora e, orando baixinho, deixei escapar uma lágrima sobre o acrílico. Eu não acreditava que era pai e muito menos que minha filha estava lá, sozinha. Ali não era o meu colinho, oras.
Tudo para mim naquele ambiente era novo. Um monte de pais e mães com semblante de esperança, um monte de aparelhos ligados nos bebês, alguns com menos outros com mais, e a Laís era do time que tinha mais.
O sofrimento de um não era maior do que o sofrimento do outro. Cada um agonizava sua dor particular. Não tinha classe social, cor, credo, time ou partido político. Todos ali eram iguais e um dos grandes aprendizados que temos ao vivenciar uma situação de UTI está em justamente respeitar as diferenças e entender que todos são iguais e merecem um tratamento especial devido as lutas enfrentadas no dia a dia.
No canto esquerdo da incubadora em que a Laís estava tinha um quadro branco que diariamente era atualizado com a evolução das crianças. Essa lousa trazia o nome do bebê, o nome da mãe, peso, altura e um campo de observação em que se colocava dados de exames, etc.
Laís nasceu prematura com 29 semanas (seis meses), pesando 1.060 kg e medindo 36 cm. Quem dera se fosse apenas “pelada, careca e sem dente”, como qualquer bebê. Minha filha era de longe a menorzinha da UTI.
Na incubadora, ela estava de bruços com uma venda nos olhinhos e tomando banho de luz em um tratamento chamado Fototerapia. Consegui ver que tinha o queixo do papai com aquela curvinha em ‘U’ de ponta cabeça, e isso me fez esquecer qualquer problema. Sorri timidamente sozinho e ainda com lágrimas nos olhos contei a ela que era igual ao papai.
Apesar de ter o queixo do papaizinho, naquele primeiro contato com minha princesa guerreira nada me chamou mais a atenção do que os pés dela, parte do corpo que me fez ter noção do quão pequena ela era.
O pezinho era exatamente do tamanho da metade de cima do meu polegar. Um momento incrível. Achei algo fascinante e entendi ainda mais a grandeza de Deus numa criação tão perfeita e o quanto somos pequenos.
Ali já não havia sinais de medo ou apreensão. Deus já tinha cravado em meu peito que as duas estavam bem e que, apesar das dificuldades que enfrentaríamos dali em diante, seríamos felizes e nossa tão sonhada ‘família margarina’ seria constituída.
Antes de ir embora, porém, regressei até a incubadora fazer mais uma oração e me despedir da Laís. Queria deixá-la ciente de que era a menina mais amada do mundo.
Na hora em que fui me despedir do meu tio Claudio em frente ao hospital, debrucei-me em um muro ao lado de um caminho exclusivo para ambulâncias e comecei a chorar descontroladamente. Mas, olha, chorar de soluçar mesmo sabe?
Chorava alto como uma criança que apanha dos pais, enquanto todas as pessoas ao redor me olhavam com cara de “olha lá o pai babão chorando porque a filha nasceu!”.
Mas não era somente isso.. era uma emoção diferente.
Meu choro trazia um misto de sentimentos naquela porta de hospital. Um choro de liberdade, um choro de ‘ufa!’, um choro de quem tinha perdido tudo e que havia recuperado, um choro de quem estava quase viúvo e via o sonho de se casar novamente renascido, um choro daquele que quase perdeu a filha e que agora tinha toda fé e esperança revigoradas.
Não era só o choro de um pai “babão”. Aliás, bem que eu gostaria que fosse, como qualquer pai mesmo. Mas não era. Era um choro diferente de todos os que já chorei (…).”
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– Trecho do livro ‘Diamante no acrílico: entre a vida e o melhor dela’ – (Guifer, Fernando)
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