É muito comum nos depararmos quase que diariamente com algumas pessoas sendo submetidas a um estado de intenso sofrimento, seja físico ou emocional, e que, analisando pelo vidro, olhamos, nos intrometemos e pensamos:
– Meu Deus, como essa pessoa está aguentando isso tudo? Eu não sobreviveria!
Ou até mesmo, depois de passar por uma situação de angústia extrema, olhar para o passado e pensar:
– Caramba. Como fui capaz de sair vitorioso diante de tamanha adversidade?
Bom, existe um fenômeno que acomete essa máquina chamada corpo humano cuja principal tarefa é nos blindar dos reais perigos de um problema grave que enfrentamos exatamente durante o período de batalha.
É uma espécie de “defesa” que se forma em nosso íntimo sem que tenhamos ciência, e que transborda uma perfeição tão grande que mesmo após a tempestade não permite sobrar qualquer vestígio de ferida futura.
E essa, digamos, “cegueira”, é o que nos mantém vivos, com fé, esperança e forças para continuar seguindo em direção ao primeiro lugar do pódio.
Até pq, se estivéssemos em estado de sã consciência e, portanto, entendimento sobre a real situação de periculosidade daquele instante, não hesitaríamos em dar um tiro na própria cabeça, afinal, uma alma sem esperanças e motivos para sorrir é sim capaz de atentar contra a própria existência sem pestanejar.
A visão de fora será sempre mais completa e privilegiada pq tem acesso ao 360° de qualquer situação que não envolva a si próprio.
Talvez até por isso exista um interesse tão grande de nossa parte em cuidar mais da vida dos outros, já que é nítida a sensação de que o remédio para as soluções do vizinho geralmente está em nossa farmácia e não na dele.
E como isso acontece sem a menor parcimônia, perdemos a mão, nos intrometemos acima da média e nosso umbigo fica desprotegido para o vizinho fazer o mesmo. Uma linha tênue que, na maioria das vezes, passa dos limites e transborda contendas. Mas isso é assunto para outro dia…
Bom, flei sobre isso tudo apenas para dividir com vocês que hoje fazem quatro anos que iniciei um dos piores períodos da minha vida, e que, por não ter noção exata dos riscos daquele 05.01.2014 e dos próximos 80 dias que viriam a partir dele, estou são e salvo para compartilhar minha história – agora com a felicidade de um vencedor.
Certamente se eu soubesse o tamanho do contratempo que enfrentava não teria sobrevivido para chegar em 2018.
Explico: naquela ocasião, minha mulher estava na UTI já há alguns dias, tendo, inclusive, passado o Réveillon lutando contra uma embolia pulmonar que por pouco não a levou à morte.
No ventre dela estava nossa filha, Laís, com apenas 29 semanas de gestação (ou seis meses), quando, às 11H50 da manhã daquele fatídico domingo, os médicos decidiram por realizar o parto prematuro para tentar salvar as duas. Sim, eu disse tentar – já que não prometeram que uma ou as duas retornariam da mesa cirúrgica para seguir uma trajetória feliz ao meu lado.
Com a graça de Deus, tudo deu certo. Minha filha nasceu e minha esposa sobreviveu. Apesar disso, iniciamos ali uma saga que durou mais 80 dias com a internação da pequena, esta que sofreu com diversas intercorrências que só não a levaram ao óbito pq certamente Deus tem um plano muito grandioso na vida dela.
Então, mais do que vir aqui dizer que hoje o início do nosso sofrimento completa quatros, venho aqui para homenagear o bem mais precioso que essa vida me proporcionou, que é minha filha, já que hoje é o aniversário dela de quatro aninhos e, portanto, enxergaremos essa data sempre com o copo mais cheio do que meio vazio, buscando compreender inclusive os motivos que nos levaram a passar por tudo aquilo e amadurecer com a experiência – já que nada acontece por acaso.
Sabe… até trazendo para o tema inicial do texto, quando olho para trás me pergunto como transitei ileso pelos 80 dias mais devastadores da minha existência naquele ano de 2014.
Na verdade, confesso que não tenho tantas memórias daquele período pq até nisso Deus foi perfeito, entendeu? Passou uma borracha nesse capítulo da nossa biografia para que sempre pensemos em tudo com amor e não tristeza.
Ainda busco respostas para compreender minha mansidão, minha calma e minha certeza de vitória naquela fase tão cruel e ao mesmo tempo de tanto aprendizado.
Indiscutivelmente eu não tinha a menor noção do que estava acontecendo e minha mente entrou em um estado tão crítico de stand-by que não me permitiu ter o exato discernimento de que eu poderia estar viúvo e sem filha minha filha para cantar os parabéns logo mais.
Mas eu venci, minha esposa venceu, minha filha venceu e minha família venceu. Assim como muitas pessoas e famílias também venceram, estão vencendo e vencerão.
É isso…
Laís, meu amor, parabéns pelo aniversário e principalmente pelo exemplo de superação. Papai te ama e viveria tudo novamente se fosse preciso. Estou chegando para enchê-la de afaguinhos e mimos! <3
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Ps: foto de 2014, na UTI, fazendo canguru para tentar salvar minha filha.