Se tem algo raro hoje em dia é jornalista que honra o jornalismo.
Digamos que, de tão escasso, dá para contar nos dedos de uma só mão – e olhe lá – quais profissionais são realmente isentos e incansáveis no compromisso com a verdade e com a transformação positiva do mundo de forma sustentável.
E Boechat era uma dessas valiosas e admiráveis pedras preciosas que lutava por manter a profissão respirando com o mínimo de dignidade, mesmo observando pelo vidro essa nova geração seguir na contramão daquilo que sempre lutou por preservar: a credibilidade.
Dos nossos, ele não demonstrava quaisquer sentimentos afetuosos por partidos políticos, característica que o aproximou de considerável parcela de uma população, esta que, por pretextos óbvios, se sentia representada por aquela voz que nos encorajava, nos enchia de energia e soava aos ouvidos como música de protesto, tanto pela manhã quanto no fim do dia.
Ricardo Eugênio era o “senhor” que, pelas ondas do rádio, me acompanhava todas as manhãs na ida ao trabalho (para me dar aula de jornalismo) e, sem que soubesse, me acolhia ao anoitecer pela tela da Band (presenteando com uma segunda e inspiradora preleção).
Ricardo Eugênio era o “senhor” que, mesmo sem me conhecer, despertava diariamente em mim alguma reflexão capaz de me conscientizar e me (des)construir enquanto ser humano – embora, não raras vezes, os tapas na cara me deixassem um tanto desconsertado e cético sobre aspectos que depois viriam a fazer total sentido.
Ricardo Eugênio era o “senhor” que, por ser dono de uma sabedoria tão poderosa, me fazia ter vergonha de dizer “sou jornalista” quando ele estava em cena, afinal, se o mestre empunhasse qualquer microfone que fosse, só o que me restava era colocar o rabo entre as pernas, ficar calado, lhe prestar reverência, aplaudir e, se o raciocínio acompanhasse, tentar aprender algo.
Como dispor de um vocabulário impecável, vasto, que não permite se repetir dentro de um discurso, mesmo que ele seja extremamente longo?
Como falar naturalmente sobre qualquer assunto demonstrando pleno conhecimento e ainda por cima não soar redundante?
Como ser um jornalista que, do ponto de vista político, bate no todo, sem lado explícito, sem medo, e claro, com grande propriedade em cada retórica milimetricamente articulada com admirável precisão?
Meu Deus! Quanta virtude! Quanta admiração!
Isto era, definitivamente, Ricardo Boechat, meus amigos!
Que, somado a tudo isso, nos presenteava com uma versatilidade rara e peculiar de quem sabia conversar com as mais distintas classes e faixas de idade, independentemente do tipo de mídia na qual estava inserido, se era falada, escrita, enfim.
Era impossível sacar quando Boechat estava lendo algo já criado antes de abrir o microfone ou quando era tudo na base do improviso, do conhecimento, do talento.
Aliás, era inimaginável pensar que todo conteúdo que carregava – e generosamente compartilhava conosco – estava ali, na cachola, na ponta da língua, e não em algum papel ou bloco de notas do celular, por exemplo. Dom de poucos.
Foi-se uma de nossas mentes mais brilhantes, aquela que nos representava exercendo imprescindível papel de ombudsman por dias melhores. Uma lacuna irreparável que nos deixa órfãos e sem um substituto à altura.
É como se neste 11 de fevereiro de 2019, a notícia não fosse “queda de helicóptero mata o Jornalista Ricardo Boechat“, mas sim: “Brasil perde seu mais onisciente ‘dedo na ferida'”, de tanto que seu trabalho mexeu conosco e nos moldou de alguma forma ao longo dos anos.
Enfim, perdi o tipo de colega que ainda me fazia ter um pouco de orgulho dessa tão desvalorizada profissão e que, consequentemente, mantinha acesa dentro de mim uma chama de que ainda/sempre vale a pena.
Para alguns, Ricardo Eugênio Boechat; para os íntimos, apenas Ricardo; para milhões, só Boechat, para poucos, Eugênio; e, para mim… Gênio.
Gratidão pelos ensinamentos, mestre, Boechat.
Agora, descanse… seguimos por aqui, na luta.
Toca o barco.