Existem dias bons e existem dias ruins. Hoje é um dia bom.
Mas, para contextualizá-lo, é preciso resgatar algumas memórias de um dia muito, muito ruim…
Em 2013, a vida tentou tirar desse cara aí da foto o que há de mais precioso na vida de um ser humano: o filho (de apenas 1 ano).
E, pq tentou? Pq o único convívio entre pai e filho que foi de fato privado por aquela tragédia, foi o físico.
Alguns dos ingredientes que fazem do amor um sentimento incondicional, como a troca de energia, a positividade, o afeto, o cheiro e a gratidão, estes foram preservados e continuam intactos no espírito de cada um, bem como as boas memórias, que sim, serão eternas.
No fatídico dia que Bernardo nos deixou fisicamente, me lembro de, ao lado dele, ter presenciado aqueles que considero os momentos mais injustos e devastadores que existem para um homem, que é dirigir rumo ao hospital, sabendo que, chegando lá, a tarefa será vestir o corpo do próprio filho, colocar no caixão branco e seguir atrás do carro funerário rumo ao cemitério para velar, num cortejo que parecia não ter fim.
Algo inimaginável a qualquer pessoa que seja minimamente humana.
Quem, em sã consciência, acredita que passará por uma experiência avassaladora como essa um dia? Ninguém.
Principalmente em se tratando de um filho, numa óbvia inversão natural das coisas.
Um pai ou uma mãe enterrar o filho ou filha, deveria ser terminantemente proibido por Deus, independentemente de quem seja.
Inclusive, sempre que toco neste ponto e rememoro aquele dia, meu coração volta a sangrar, pq estou falando de um cara que, na ausência do meu pai, nunca me abandonou mesmo sem ter a menor obrigação de cuidar de mim.
Um homem generoso que jamais virou suas costas diante da dificuldade de um irmão ou até desconhecidos.
Um ser íntegro que dedicou sua vida ao lecionar e transformar o futuro de seus alunos, sempre com amor e respeito à profissão.
Um cara que, com atitudes – e não apenas palavras -, me transmitiu valores que levarei para além da vida e perpetuarei através de minha filha.
Óbvio que NINGUÉM merece passar pela experiência de perder um filho. No entanto, se existe alguém que não merecida de jeito nenhum, era ele.
E pq falei tudo isso? Para explicar o pq dessa foto e o pq esse 21.02.2020 é um dia muito, muito bom…
Acordei bem cedo hoje e, mesmo ainda cansado do dia anterior no trabalho, me arrumei com a felicidade estampada no olhar. Peguei ônibus, Metrô, depois ônibus de novo, e dei sinal para desembarcar no bairro de Itaquera (ZL), onde cheguei a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil.
Lá, haveria uma solenidade de entrega das novas carteiras da OAB. Um disputado documento que só quem fez direito compreende o valor que tem, por toda luta que envolve a sinuosa estrada que leva até ele.
Ao chegar, avistei o homem aí da foto. Cláudio Roberto Fonseca. Meu tio, meu amigo, meu irmão, meu herói, meu ídolo, meu espelho… meu pai.
Prontamente sorri e lhe dei um largo abraço de “ninguém no mundo merece mais essa conquista do que você!”. Era a coroação de algo que tinha um sabor extremamente especial, uma vez que, para chegar até aqui, precisou reviver e resgatar uma força que sequer parecia existir dentro de si.
Ao se matricular em direito meses depois de enterrar o filho, no instante de sua trajetória em que tudo se mostrava perdido e nem ele acreditava mais em seu potencial para seguir.
Lembro-me de ter conversado com ele ontem sobre a solenidade, e me confessou não estar emocionalmente bem. Parte da depressão. Acontece, enfim… estava reticente, inclusive, em comparecer à solenidade na OAB.
Eu disse a ele que seu filho, Bernardo, que carinhosamente chamávamos de ‘Coração Valente’, estava ansioso por este momento e que certamente escolheria sua melhor roupinha para, orgulhoso, assistir a volta por cima de seu papai ser chancelada. E tudo, claro, no melhor camarote possível: o colinho de Deus…
Mas como essa inesquecível sexta-feira não era um dia comum, mesmo com as marcas da perda ainda estampadas em seu olhar (que agora entrega uma tristeza quase que vitalícia), ele também acordou cedo e lá estava para receber a benção de sua classe: o título de mais novo advogado do Brasil, simbolizando um novo recomeço (SIC).
O homem que me fez atravessar a cidade em 2013 para vê-lo vestir o filho falecido no hospital, desta vez me fez atravessar a cidade para, depois do período mais difícil de sua existência, presenciá-lo recebendo a carteira da OAB, como sendo uma das histórias de superação mais incríveis que conheci pessoalmente, já que, de lá pra cá, a depressão o golpeou sem piedade, devastando completamente sua vida social e profissional, e mesmo sem forças para sequer levantar da cama por não raros dias, lutou muito, fez da dificuldade sua motivação, e novamente me ensinou a ser forte com atitudes e não somente palavras.
Um homem que, há menos de sete anos, levou da vida um soco na camada mais profunda de sua alma.
Sempre me pergunto: como alguém é capaz de sobreviver a uma tragédia envolvendo o filho?
Ele me respondeu. Ele sobreviveu. E, dia após dia, tem vencido e buscado se superar em todos os aspectos.
Grande exemplo.
Um ser humano inspirador.
Obrigado.
“É preciso a cruz para conhecer a luz” (Mc 8,34-9,1)