Para falar de assunto tão delicado e que atualmente representa a realidade de 11,6 milhões de brasileiros, quero começar dividindo com vocês uma situação particular vivida por mim há um tempo e que apenas minha esposa sabe (o que talvez explique o pq estamos há 10 anos juntos, já que relacionamento também é feito de companheirismo e cumplicidade).
Vamos lá…
Já passei por diversas situações de desemprego. Algumas mais ligeiras e tranquilas, outras mais demoradas e aterrorizantes.
Em uma delas, eu morava sozinho, e a Fabi, ainda minha namorada, residia com os pais.
Teve um sábado que ela chegou para passar a noite comigo e trouxe macarrão para jantarmos. Geladeira e armários completamente vazios, ou seja, se ela não traz, ninguém se alimentaria naquela noite.
Em dado momento, ela foi ao quarto perguntar o que eu havia jantado na noite anterior e encontrou, em cima da cômoda, ao lado da TV, um pacote aberto de Sazón.
Ela me perguntou pq o Sazón estava ali e, meio envergonhado, expliquei a ela que tinha sido minha janta do dia anterior. Disse que até pensei em dormir sem comer nada, mas tinha medo de passar mal pela falta de algo salgado no organismo. O pacotinho ainda estava próximo à TV pq acordei cedo, fui procurar trabalho e não me lembrei de jogá-lo no lixo.
Repare que, naquela altura, eu já tinha uma profissão (jornalista), contava com boas experiências no currículo e era pós-graduado. Apesar disso, não tinha sequer o que comer.
Fabi não comentou nada na hora. Virou suas costas, saiu e no dia seguinte foi ao mercado e, de surpresa, me trouxe uma compra. Anos depois, ela me confessou o quão aquilo a comoveu, principalmente por saber que eu não merecia passar por tamanha dificuldade devido o homem íntegro e batalhador que sempre fui.
Enfim, não vou esticar nesse assunto até por saber que existem milhares de histórias mais preocupantes e comoventes do que a minha, mas optei por compartilhar essa experiência pessoal para dizer que NÃO: nem todo desempregado quer estar desempregado. Nem todo desempregado é vagabundo. Nem todo desempregado é uma pessoa ruim. Nem todo desempregado é um filho da puta. Nem todo desempregado está desempregado “pq não estudou”. Nem todo desempregado é mau profissional.
Muito, mas muito pelo contrário! A maior parte das pessoas que estão sem trabalho neste momento são íntegras e batalhadoras.
A sensação que o desemprego nos causa é de humilhação, degradação, impotência, e, claro, impacta fortemente nosso psicológico pela incerteza da recolocação profissional, causando ainda total desmotivação, depressão, ansiedade, síndromes e até suicídio. Um sentimento que, de tão ruim e negativo, atrapalha, inclusive, durante uma entrevista de emprego ou no momento de realizar uma prova, por não conseguir se expressar com clareza ou demonstrar suas habilidades técnicas com a facilidade que sabe ter.
Veja bem… a dignidade é a única coisa que de fato todos temos e, por ser tão importante à vida de um ser humano, digamos que ela tem peso 2 à razão de existirmos. Por isso, quando vemos essa mesma dignidade violentada, colocada em xeque ou nos sendo tirada à força por alguma circunstância, acusamos o golpe e passamos a nos sentir o pior entre os piores, nos martirizando e nos sentindo culpados pela situação adversa (desemprego no caso), principalmente pq há o julgamento dos parentes, dos vizinhos e das pessoas em geral, que não são capazes de perguntar se você precisa de um pão, mas que são ágeis na hora de apontar o dedo e dizer que você é merecedor daquela desgraça que está passando.
Aí, você, dono da verdade aí no outro lado pode dizer:
– Ah, Guifer… mas existem pessoas más e vagabundos que estão sem trabalho também, viu. Conheço vários!!!
Sim, sim. Existem mesmo. Disso não há a menor dúvida.
No entanto, você é exatamente quem para julgar? Pq eu não sou absolutamente ninguém.
“Estou aqui para aprender, não pra julgar!” (C.B.Jr.).
Ou seja, até que me prove o contrário, vou sempre partir do pressuposto de que todas as pessoas desempregadas são boas e precisam de uma oportunidade para novamente se sentirem vivas, relevantes, indispensáveis, produtivas… e que, ao invés de julgamento, necessitam de ajuda, pois somente elas sabem o que estão passando ao serem confrontadas com a humilhação em terem a luz ou a água de casa cortadas, ou ao receberem o aviso de despejo debaixo da porta, ou precisarem dormir mais cedo para não sentirem fome.
Amanhã pode ser eu (de novo). Amanhã pode ser você.
Quase 100% da população mundial não está imune ao desemprego e/ou a uma situação de dificuldade financeira/profissional. Quase todos estamos sujeitos, afinal, nessa vida nós não ‘somos’, nós ‘estamos’ – e amanhã podemos não estar mais.
Desemprego não tem qualquer relação com mau-caratismo do trabalhador que está sem ocupação. Desemprego tem a ver com mau-caratismo da classe política, uma vez que criar oportunidades e condições de trabalho é uma obrigação de qualquer Governo e, se porventura estão em falta, não é culpa do trabalhador.
Aliás, o desempregado é a vítima. Mártir de um sistema podre e corrupto, que ainda o faz sentir-se culpado pela incompetência dos mandatários que têm cadeira cativa nas tetas do dinheiro público.
Bom, acho que é só. Meu propósito com essa articulação aleatória é somente dar um abraço, mesmo que à distância, aos que estão na fila da recolocação. O momento de vocês sorrirem está mais próximo do que imaginam, não percam a fé <3
[ Contexto ]
O artigo acima é complementar ao relato que publiquei ontem a noite sobre a truculência de instituições como Metrô e CPTM para com trabalhadores ambulantes que, desempregados, enxergam na venda informal uma forma de colocar alimento na mesa de suas famílias. (este é o texto 👉🏼 http://bit.ly/2IBt0ee).
Optei pelo adendo por ter recebido mensagens inbox dizendo que os ambulantes são folgados e que devem procurar outro lugar para venderem seus produtos sem atrapalhar os usuários e o andamento das estações.
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Este texto mudou minha visão à respeito do desemprego.
Estou desempregado no momento e nada melhor que apreciar um texto de um sábia pessoa que também passou por isto.
Este texto mudou minha visão à respeito do desemprego.
Estou desempregado no momento e nada melhor que apreciar um texto de um sábio autor que também passou por isso. Obrigado Guifer.