São incontáveis os ensinamentos que o Covid-19 tem nos proporcionado durante as 24 horas desses dias mais recentes de nossas vidas.
Mas quase todos esses aprendizados são hierarquizados por nós de acordo com o que consideramos ser mais conveniente e mais adequado ao momento particular de vida ao qual estamos inseridos, o que é natural.
Contudo, embora sejam aprendizados muito particulares, uma coisa, somente uma coisa, certamente tem nos perturbado em comum: a ausência dos abraços e, principalmente, a incógnita perspectiva se haverá uma nova oportunidade em abraçar aquela pessoa que tanto amamos e que está longe.
Até por se tratar de uma ação aparentemente cotidiana, fácil e acessível a qualquer pessoa, estar impossibilitado de ofertar ou receber um despretensioso abraço nos expõe à dimensão de emergência que vive a humanidade hoje e também nos transmite uma estranha sensação de impotência sobre nossa mera existência – e por quanto tempo.
O enlace de braços que captam e compartilham energias, o aconchego de tórax unificando batimentos, o afago entre orelhas (que, como boas ouvintes, reverenciam a história do outro), o sinal de respeito no tatear a cabeça do abraçado e, por vezes, o fechar involuntário de olhos que nos permite sentir aquela consideração com a alma…
O ritual do abraço tem significados ímpares e, de forma milenar, se faz presente nos bons e maus momentos de nossa trajetória desde sempre. No luto ou na euforia, no desconhecido ou na pessoa com quem se tenha mais intimidade, lá está ele, dizendo o que as palavras não são capazes de expressar na forma escrita ou falada.
Quando passou por nossa cabeça que estaríamos incapacitados de abraçar as pessoas que amamos? Talvez nunca!
Poderíamos sofrer com escassez de qualquer coisa, menos de um abraço. Pelo menos era o que imaginávamos até a vida novamente nos mostrar que não sabemos ou temos controle sobre absolutamente nada, independentemente do que seja. Por isso é tão necessário repensar os abraços que não demos, recusamos, trocamos por banalidades ou deixamos para um depois que nunca veio.
Mais aconchegante do que o beijo, mais autêntico do que o sexo e mais humano do que um simples aperto de mãos, o abraço, embora uma dinâmica física, foi involuntariamente criado para transmitir sentimentos sem que o uso da palavra se faça necessário.
Na hora da dor, da fome, da angústia, do medo, ou durante a perda de uma pessoa especial em que somente o abraço é capaz de dizer o que a boca não consegue, ele é que nos transmite a mensagem de “calma, vai ficar tudo bem…”. E talvez por isso tem nos feito tanta falta neste momento de Pandemia e recolhimento extremo. Ao mesmo tempo em que revigora crenças por dias melhores, a junção de corpos – em seu aspecto mais puro – aquece o coração com divino sentimento de proteção.
Mas ele também marca presença quando aquela notícia boa chega inesperadamente através do sorriso de um amigo que acabou de conseguir um trabalho; ou quando aquele familiar que batalhou tanto e, mesmo sem condições, passou no vestibular; ou no momento do gol, em que se corre de um lado ao outro na busca pelo abraço mais próximo, para extravasar uma emoção que é única e momentânea; também existe aquele que vem depois de um pedido e um aceite verdadeiros de perdão; e também no reencontro com grandes amigos ou parentes que estavam distantes, enfim…
Por isso não é raro que essa fusão abençoada chamada ‘abraço’ venha acompanhada de uma lágrima discreta de um ou de ambos.
No fim das contas e bem aos poucos, temos descoberto que os princípios mais vitais à sobrevivência são sim os mais (aparentemente) simplórios e que não envolvem necessariamente dinheiro, como brincar de cavalinho com o filho, passar um café da manhã no bule ao lado daquela pessoa especial e, por fim, exercitar o mais democrático entre todos os gestos afetuosos: o abraço.
Estar em nosso lar é incrível, mas como ele nem sempre contempla todas as pessoas que amamos, o isolamento nos comprovou que o melhor lugar do mundo é mesmo dentro de um abraço. ❤