204 dias depois, voltei ao trabalho presencial na última quarta-feira. Os dias de home-office, embora duros e cheios de incertezas, eram coloridos por ela, de ponta a ponta. E hoje percebo o quão sua presença foi essencial pra eu atravessar esse momento de uma forma menos traumática e mais otimista.
Quando Laís nasceu, lhe fiz companhia na UTI Neonatal por 80 dias; agora, ela, bravamente, segurou a barra por mim durante mais de 200 nasceres e pores do sol, longe dos amiguinhos, da escolinha, da pracinha na esquina, do sorvete, do shopping…
Todo amor que ela recebeu de mim em seu momento de maior dificuldade quando chegou ao mundo, me devolveu nesse período tudo em dobro e com juros, mesmo que sequer tenha noção disso, já que sou um cara realmente frágil emocionalmente, e só eu sei as marcas que essa pandemia deixou em mim nos últimos meses.
Então, olhar pra ela e vê-la forte, seguindo, me abraçando, beijando e dizendo que me amava sem eu pedir, me contagiou de um jeito que não consigo mensurar em palavras.
Laís não só me mantém vivo, mas, principalmente, faz com que eu me sinta vivo.
Na rotina do remoto, levantava com ela ainda dormindo, dava um cheirinho, arrumava o travesseiro entre suas pernocas, colocava o cobertor no lugar e seguia na preparação do café, enquanto o PC iniciava.
A labuta tinha início com ela ainda babando na cama, por isso, a cada meia hora, entre uma reunião e outra, lá estava eu, no cantinho da porta do quarto, espiando com rabo de olho, admirando-a e me abastecendo com a energia necessária para terminar o dia tendo o emocional e a motivação intactos em meio a tantas notícias ruins.
Estava eu, focado nas atividades, quando, de repente, lá vinha ela, cambaleando de sono, descabelada, quase sonâmbula, com o Pocoyo numa das mãos.
Pular em meu colo era tão ritual quanto me levar de volta ao quarto para deitar alguns poucos minutinhos em seu ladinho, até que despertasse pra valer e retornasse à sala pra ver um pouco de TV e tomar o café da manhã.
Claro que não é fácil concentrar-se no expediente quando o abraço mais delicioso do mundo está bem diante da gente em tempo integral, querendo atenção e não compreendendo o pq o papai está ali – e ao mesmo tempo não está.
Um paradoxo que mescla prazer com dor, afinal, o senso de responsabilidade corporativo, embora financeiramente rentável, não deixa de ser uma algema que nos distancia de quem amamos, mesmo quando o escritório está a cinco metros da cozinha de casa.
No entanto, entre prós e contras, não há dúvidas de que estar rodeado de amor verdadeiro naquelas 40 horas semanais, me tornou um homem e um profissional melhor, mais dedicado, focado e mais certo de onde quero chegar, uma vez que meu grande motivo estava ali, me lembrando o tempo todo de que não posso desviar do caminho.
Por isso acredito que a pandemia tenha vindo também para mostrar às empresas que é hora de pensar diferente e tentar um tipo de “novo” que, se bem administrado, pode sim trazer muito mais benefícios – ao negócio e à saúde (mental e física) do funcionário – do que prejuízos.
Os minutos que “perdi” por ter que brincar de cavalinho ou esconde-esconde dentro do “escritório” no horário comercial, fizeram com que todo restante do expediente fosse infinitamente mais produtivos, pq eu estava feliz, realizado, completo e com muita, muita vontade de ver minha pequena tendo orgulho daquele pai responsável e amoroso, consigo, com ela e com nosso ganha-pão.