“Assim, papai”, disse ela enquanto ajeitava meu braço por detrás da cabeça antes até de fazer o mesmo.
Nem dente a mocinha tem direito, mas já dirige a cena da foto e os rumos da minha vida com a maestria de quem aparenta saber exatamente o que preciso – e entrega com excelência.
Estou numa idade meio louca, saca? 35 anos é tipo quase a metade da vida (pra quem for sortudo – e que Deus permita que eu seja).
A gente já começa “vazar óleo” no campo da saúde. Dores inéditas pelo corpo, os exames já não são aquela Brastemp de antes, intervenções cirurgicas surgindo e o pavor iminente de não “ver Papai Noel” no fim do ano somam-se as neuras da trajetória social, em que acreditamos não sermos bons em nada e de serem reais as possibilidades de nunca encontrarmos nosso propósito de vida.
No profissional/financeiro passamos a cometer aquilo que chamo de ‘auto-abuso-psicológico’, que é quando nos importamos demais com o redor, com o que o próximo pensa de nós, com as conquistas do vizinho, e, ao entrarmos numas de competitividade, sentimos o injusto sabor do “fracasso” e nos violentamos por algo que só existe em nossa mente.
A vida adulta é impostora, e essa parada de legado pra mim sempre foi séria. É real o pavor em tornar minha passagem por aqui despercebida, de não agregar, de não tocar positivamente corações, de não contribuir com uma reflexão, enfim, de ter sido apenas mais um peso que veio à terra passear.
A paternidade, porém, é o contraponto disso tudo. Ela traz o afago. Ela significa o perpetuar nossa existência e valores na figura de outra pessoa. Representa o sorriso que não demos enquanto estávamos preocupados com as futilidades do mundo adulto. Mostra que somos únicos e necessários. É como olhar no espelho e ver que conquistou-se a chance de tentar por uma forma oposta. É, realmente, como quando pegamos ‘Continue’ no video-game, em que tudo se reseta como nada tivesse acontecido. E o nome disso é presente (de presença, de conquista e de tempo).
Ser pai é como ter uma nova oportunidade de tornar o relógio nosso melhor amigo. Por isso nada no mundo jamais poderá ser comparado ao sentimento de ter filhos, pq são eles quem nos tornam imortais.